JORGE DE LIMA

























TRÊS POEMAS DE JORGE DE LIMA (1893-1953)


Jorge de Lima é considerado um dos grandes poetas modernistas. Conhecido por sua origem parnasiana, pelos poemas negros que o aproximam, no Brasil, da poética de Nicolas Gullén, pela presença de elementos surrealistas em um meio literário refratário a esse movimento, pelo compartilhamento poético do universo católico muriliano e pela presença de apelos oriundos das artes plásticas, o poeta de Essa Nega Fulô é, seguramente, dos grandes modernistas, aquele menos lido e estudado.
Os três poemas transcritos abaixo, deslumbrantes, foram retirados de Invenção de Orfeu, livro publicado em 1952 e que está até hoje a merecer um estudo capaz de explorar toda a beleza da poesia do vate alagoano. As acusações de hermetismo, pretensão e anacronismo só expõem um despreparo da crítica em apreender a extraordinária riqueza da obra, um verdadeiro monumento; espécie de epopéia subjetiva, de palimpsesto de referências, de inventário de formas poéticas em língua portuguesa.
Os poemas abaixo são tão bons que resistem a uma leitura independente das relações que mantêm com outras partes da obra. Claro está, no entanto, que só ganham plenitude quando lidos nos cantos a que pertencem: os dois primeiros integram o Canto IV – As Aparições; o último faz parte do Canto X, Missão e Promissão.
Utilizei uma edição da Ediouro, sem data.



















I

Era um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.

Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.

Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.

Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.


(p. 82)













II

Era um cavalo todo feito em lavas
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.

Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.

Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.

Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o íncubo cavalo se nutria.


(p. 83)














III

Não a vaga palavra, corrutela
vã, corrompida folha degradada,
de raiz deformada, abaixo dela,
e de vermes, além, sobre a ramada;

mas, a que é a própria flor arrrebatada
pela fúria dos ventos: mas aquela
cujo pólen procura a chama iriada,
— flor de fogo a queimar-se como vela:

mas aquela dos sopros afligida,
mas ardente, mas lava, mas inferno,
mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,

esta é que é a flor das flores mais ardida,
esta veio do início para o eterno,
para a árvore da vida que há em mim.


(p. 194)

Comentários

  1. José Antônio,







    Três belos poemas de Jorge de Lima, sem dúvida. Os dois primeiros, "gêmeos". Mário Faustino se perguntava se por "descuido", "negligência" ou "auto-complacência". Creio que por "fartura de opções". Afinal, o poeta vislumbrou duas formas equivalentes (com nuances) de mostrar esse noção do olho fugidio (e galopante) que paira sobre sua própria leitura. E vai embora...









    Abraços,










    Marcelo.

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  2. Jorge de Lima, grande poeta brasileiro,
    ombreado aos grandes Carlos Drummond, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto,mas menos divulgado, talvez porque não seja tão focalizado nos livros didáticos, permanecendo pouco conhecido dos jovens. Mas sempre é tempo de recomeçar.

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  3. Esse poema fez a minha cabeça. Há 50 anps atras ...

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