HAROLDO DE CAMPOS
A obra de Haroldo de Campos (1929-2003) é impressionante: na tradução, na pesquisa, na invenção, na crítica, na experimentação e na recriação da tradição poética. Sua presença é extraordinariamente forte na poesia brasileira contemporânea. Inquietação de outra natureza, mas também seminal, foi a que marcou a trajetória de Hélio Oiticica. Espero que as imagens do criador dos Parangolés e as palavras de um mestre que ultrapassou a fronteira do concretismo possam dialogar e dar uma diminuta mostra da vitalidade da obra dos dois artistas hoje e sempre.
Hélio Oiticica |
Grande Núcleo composto por: NC3, NC4 e NC6. HÉLIO OITICICA, 1960
A EDUCAÇÃO DOS CINCO SENTIDOS
1. chatoboys (oswald)
    fervilhando
    como piolhos
    peirce (proust?) considerando
    uma cor – violeta
    ou um odor –
    repolho
    podre
    odre – considere
    esta palavra: vinhos,
    horácio, odes
    (princípio do
    poema –
    ogre)
2. o purgatório é isso:
    entre / inter-
    considere
    o que vai da palavra stella
    à palavra styx
3. (marx: a educação dos cinco
    sentidos
    o táctil o dançável
    o difícil
    de ser ler / legível
    visibilia / invisibilia
    o ouvível / o inaudito
    a mão
    o olho
    a escuta
    o pé
    o nervo
    o tendão)
4. o ar
        lapidado: veja
    como se junta esta palavra
    a esta outra
    linguagem: minha
    consciência (um paralelograma
    de forças não uma simples
    equação a uma
    única
    incógnita): esta
    linguagem se faz de ar
    e corda vocal
    a mão que intrinca o fio da
    treliça / o fôlego
    que junta essa àquela
    voz: o ponto
    de torção
    trabalho diáfano mas que
    se faz (perfaz) com os cinco
    sentidos
    com a cor o odor o repolho os piolhos
5. trabalho tão raro como
    girar um pião na
    unha
    mas que deixa seu rastro
    mínimo (não prescindível)
    na divisão (cisão) comum
    do suor
    rastro latejante / pulso
    dos sentidos que se (pre)formam:
    im-prescindível (se mínimo)
    o cisco do sol no olho
    – claritas: jato epifânico!
    alguns registros modulações
    papel granulado ou liso uma dobra
    certa um corte
    seguro um tiro
    na mosca
    num relâmpago o tigre atrás da corça
    (sousândrade)
    o salto tigrino
6. o que acresce
    resta
    (nos sentidos)
    ainda que mínimo
    (húbris do mínimo
    que resta)
PARAFERNÁLIA PARA HÉLIO OITICICA
1.
retículas
redes desredes
reticulares ares áreas
tramas retramas redes
áreas
reticulares
reticularia
colares de quadrículos
contas cubículos
áreas ares
tramas retramas
desarticulária
de áreas reais
o rosto implode
camaleocaleidoscópico
2.
o amarelo
os elos do amarelo
o vermelho
os espelhos do vermelho
o verde
os revérberos do verde
o azul
os nus do azul
os martelos do amarelo
as veredas do vermelho
os enredos do verde
os zulus nus do azul
os brancos elefantes do branco
3.
hélios, o sol, não desmesura
4.
(cineteatro nô / psicocenografado por sousândrade
                                    com roteiro ideogrâmico de eisenstein)
                        onde se lê hagoromo, leia-se parangolé
                        onde se vê monte fuji, veja-se morro da mangueira
                                    o parangoromo
                                                            pluriplumas
                                    se héliexcelsa
                                    hélifante
                                    celucinário
                                    até
                                    decéuver-se
                                    no céu do
                                    céu
5.
hélio sobe no zepelim das cores
movido a parangol’helium
e se dissolve no sol do céu
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