Giuseppe Ungaretti (1888 - 1970)

Giuseppe Ungaretti nasceu em Alexandria, no Egito. Seu pai trabalhou na construção do Canal de Suez, fazendo com que a família permanecesse no norte da África por algum tempo. Ungaretti descreveu a mudança da paisagem fluida e mutante do deserto pela das montanhas fixas, imóveis da Europa como um dos grandes choques de sua infância. Escreveu os poemas do seu primeiro livro, Il Porto Sepolto, mais tarde incluído em L´allegria – esse título maravilhoso –, quando ainda lutava nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, que causou a morte de tantos poetas dos primeiros movimentos modernistas, como August Stramm, Isaac Rosenberg e Guillaume Apollinaire, seja em combate ou mais tarde por sequelas e ferimentos causados em combate. Trata-se de uma guerra que marcaria ainda outro grande texto do início do século: o Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein, como argumentou Marjorie Perloff em seu A Escada de Wittgenstein (São Paulo: Edusp, 2008), além de, para críticos como Guy Davenport ou Hugh Kenner, ter significado o verdadeiro fim das utopias modernistas, já em meados de 1916, e não nos anos 60 como querem outros. No caso de Ungaretti, este primeiro livro traria à luz alguns dos poemas mais concisos e enxutos do primeiro Modernismo, exemplo claro de um "minimalismo necessário", a partir de uma experiência vital e interna, e não o luxo lacônico da concisão como ideologia de poetas que se dedicam ao paisagismo poético urbano, muito longe do minimalismo de Ungaretti ou George Oppen.

Texto de Ricardo Domeneck



Chico Buarque de Holanda e Giuseppe Ungaretti em foto de 1969

















Mattina

M’illumino
d’immenso





Manhã


Tradução de Sérgio Wax


Ilumino-me
de imenso



Giorgio de Chirico
























Inno alla morte


Amore, mio giovine emblema,
Tornato a dorare la terra,
Diffuso entro il giorno rupestre,
É l'ultima volta che miro
(Appiè del botro, d'irruenti
Acque sontuoso, d'antri
Funesto) la scia di luce
Che pari alla tortora lamentosa
Sull'erba svagata si turba.

Amore, salute lucente,
Mi pesano gli anni venturi.


Abbandonata la mazza fedele,
Scivolerò nell'acqua buia
Senza rimpianto.

Morte, arido fiume...

Immemore sorella, morte,
L'uguale mi farai del sogno
Baciandomi.

Avrò il tuo passo,
Andrò senza lasciare impronta.

Mi darai il cuore immobile
D'un iddio, sarò innocente,
Non avrò più pensieri nè bontà.

Colla mente murata,
Cogli occhi caduti in oblio,

Farò da guida alla felicità.


(1925)



Hino à morte



Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti


Amor, meu emblema de jovem,
Que volta a dourar a terra,
Difuso no dia rupestre,
É a última vez que contemplo
(Ao pé deste barranco, de impetuosas
águas, suntuoso, funesto
De antros) o rastro de luz
Que, como a lastimosa rolinha
Inquieta, meandra no gramado.

Amor, salvação fulgurosa,
Pesam-me os anos do porvir.

Largado o bastão fiel,
Resvalarei para a água sombria
Sem um queixume.

Morte, árido rio ...

Imêmore irmã, morte,
Igual ao sonho me farás
Beijando-me.

Terei teu mesmo passo,
Irei sem deixar traço.

Tu me darás o coração indiferente
De um deus, serei inocente,
Sem pensamentos, nem cuidados.

Com a mente murada,
Com os olhos caídos em esquecimento,
Far-me-ei guia da felicidade.




Giorgio de Chirico
























Prato

Villa di Garda aprile 1918

La terra
s'è velata
di tenera
leggerezza

Come una sposa
novella
offre
allibita
alla sua creatura
il pudore
sorridente
di madre



Campo



Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti


Villa di Garda, abril de 1918


A terra
se cobriu
de tenra
leveza

Como uma esposa
nova
oferece
atônita
ao filho
o pudor
sorridente
de mãe


Giorgio de Chirico
























San Martino del Carso

Valloncello dell'Albero Isolato il 27 agosto 1916

Di queste case
non è rimasto
che qualche
brandello di muro

Di tanti
che mi corrispondevano
non è rimasto
neppure tanto

Ma nel cuore
nessuna croce manca

È il mio cuore
il paese più straziato



San Martino del Carso



Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti


Valloncello dell'Albero Isolato, 27 de agosto de 1916


Destas casas
nada sobrou
senão alguns
pedaços de muro

De quantos
me foram próximos
nada sobrou
nem tanto

No coração porém
nenhuma cruz me falta

É o meu coração
a região mais destroçada


FONTE: Os poemas acima foram reproduzidos do site Revista Modo de Usar


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