MÁRIO QUINTANA


















SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6.ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

(In: Nariz de vidro. 5ª. ed. São Paulo: Moderna,1984, p. 36.)

P.S.: Na internet circula uma versão adulterada do texto original: nela é empregada um dever em vez de uns deveres no verso inicial; os numerais aparecem grafados por extenso e há a supressão do título; surgem acréscimos de outros marcadores temporais (Natal, a passagem do ano) que enfraquecem a intensificação construída pelo poeta em torno do número seis (hora, dia da semana, décadas); e, algo imperdoável, ocorre a introdução de um conselho banalizante que retira toda a força do último verso do poema.

Se em muitos livros didáticos (algumas editoras esquecem a importância da estrofação e, para ganharem espaço, comprimem diversas estrofes em uma estrofe-frankenstein que mata toda a arquitetura rítmica, plástica e conceitual de um poema) e em muitas edições de poesia já surgem falhas que alteram substancialmente muitos textos, imaginem o que acontece na internet.

Por isso devemos ficar atentos. Sempre procuro reproduzir com a máxima fidelidade os poemas postados aqui, buscando-os em edições ou em sites confiáveis, mesmo assim ainda posso, eventualmente, cair em alguma armadilha e reproduzir um poema impresso com falhas. Felizmente, nas raríssimas vezes em que isso aconteceu, pude fazer as correções em tempo hábil.

Comentários

  1. Este poema é fantástico e tua explanação, perfeita.
    Acabei de encontrar nos meus arquivos uma frase de Oscar Wilde, sobre a importância de uma vírgula: "Estava trabalhando nas provas de um de meus poemas quando resolvi tirar uma das vírgulas, mas à tarde voltei e a coloquei de volta".
    Um pecado realmente mexer na estrutura de poemas tão bem arquitetados.
    Um abraço.
    Nydia

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  2. Ya recibí la horrible y cursi versión de internet. Hoy en día confirmar las fuentes es muy difícil. Hay que estar alerta demás.
    Lo mismo pasa con los textos apócrifos.
    Um abraço.
    Santiago

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  3. Life is a number of school assignments
    to be done at home.
    Before you know it,
    it’s already six o’clock.
    There’s time…
    Before you know it,
    it’s already Friday…
    Before you know it,
    sixty years have gone by!
    Now, it’s too late to flunk out…
    If, some day, I were given
    another chance,
    I wouldn’t even look at a clock.
    I’d keep moving,
    always moving ahead,
    discarding along the way
    the useless golden
    shells of the hours…

    Mario Quintana
    (translated by John D. Godinho)
    Six hundred and sixty-six in Time’s Hiding Places

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