PHILIP LARKIN


Philip Arthur Larkin (1922 - 1985), poeta, romancista, crítico de jazz e editor, nasceu em Coventry, Midlands, no Reino Unido. Após ter sido Leitor de Inglês em Oxford (St. John's College), torna-se bibliotecário - primeiro na universidade de Leicester, e, mais tarde, na de Hull; cargo este que assegurou até ao fim da sua vida.
Um dos poetas favoritos de John Lennon, é considerado um dos maiores poetas ingleses do pósguerra, e seu nome se liga aos poetas do assim chamado “The Movement”. Estreou com Night ship [1945], e publicou, entre outros, The whitsun weddings [1965], que o consagrou publicamente, High windows [1974] e Aubade [1977]. Em 1984, declinou de ser nomeado poeta laureado por "não dispor de tempo para os compromissos decorrentes dessa posição". Morreu de câncer aos 63 anos — exatamente como seu pai, que morreu da mesma causa, com a mesma idade, e que também tinha sido bibliotecário.


POEMAS


Demien HirsPOEMAS




















CHURCH GOING

Once I am sure there’s nothing going on
I step inside, letting the door thud shut.
Another church: matting, seats, and stone,
And little books; sprawl ings of flowers, cut
For Sunday, brownish now; some brass and stuff
Up at the holy end; the small neat organ;
And a tense, musty, unignorable silence,
Brewed God knows how long. Hatless, I take off
My cycle-cl ips in awkward reverence,

Move forward, run my hand around the font.
From where I stand, the roof looks almost new —
Cleaned, or restored? Someone would know: I don’ t.
Mounting the lec ter, I peruse a few
Hec toring large-scale verses, and pronounce
‘Here endeth’ much more loudly than I’d meant.
The echoes snigger briefly. Back at the door
I sign the book, donate an Irish sixpence,
Reflect the place was not worth stopping for.

Yet stop I did: in fact I of ten do,
And always end much at a loss l ike this,
Wondering what to look for; wondering, too,
When churches fall completely out of use
What we shall turn them into, if we shall keep
A few cathedrals chronically on show,
Their parchment, plate and pyx in locked cases,
And let the rest rent-f ree to rain and sheep.
Shall we avoid them as unlucky places?

Or, after dark, will dubious women come
To make their children touch a particular stone;
Pick simples for a cancer; or on some
Advised night see walking a dead one?
Power of some sort or other will go on
In games, in riddles, seemingly at random;
But superstition, l ike bel ief , must die,
And what remains when disbel ief has gone?
Grass, weedy pavement, brambles, buttress, sky,

A shape less recognisable each week,
A purpose more obscure. I wonder who
Will be the last, the very last, to seek
This place for what it was; one of the crew
That tap and jot and know what rood-lof ts were?
Some ruin-bibber, randy for antique,
Or Christmas-addict, counting on a whiff
Of gown-and-bands and organ-pipes and myrrh?
Or will he be my representative,

Bored, uninformed, knowing the ghostly sil t
Dispersed, yet tending to this c ross of ground
Through suburb scrub because it held unspil t
So long and equaly what since is found
Only in separation — marriage, and birth,
And death, and thoughts of these – for which was buil t
This spec ial shell? For, though I’ve no idea
What this accoutred f rowsty barn is worth,
It pleases me to stand in silence here;

A serious house on serious earth it is,
In whose blent air all our compulsions meet,
Are recognised, and robed as destinies.
And that much never can be obsolete,
Since someone will forever be surprising
A hunger in himself to be more serious,
And gravitating with it to this ground,
Which, he once heard, was proper to grow wise in,
If only that so many dead lie round.


A IGREJA INDO-SE...


Quando estou certo de que nada está ocorrendo,
Eu entro, e se ouve um baque quando eu solto a porta.
Mais uma igreja: bancos, panos, pedra, além dos
Livrinhos; as juncadas secas, que se cortam
Para o domingo; bronze e objetos a cobrir o
Altar; um órgão impecável e pequeno;
Silêncio tenso, de bolor, que salta à vista,
Há muito fermentado. Sem chapéu, retiro —
Genuflexão canhestra — os grampos de ciclista,

Ando e na pia de água benta esfrego a mão.
Vendo daqui, parece quase novo, o teto —
Foi limpo, restaurado? Um outro sabe: eu não.
Depois que subo até o atril, decifro certo
Versículo imperioso, numa letra grande,
E digo, sem querer, o “Aqui Termina” em tom
De voz mui to alto. O eco casquina um pouco. À entrada,
De novo, assino o livro, doo seis pence da Irlanda,
Concluo que não valia a pena essa parada.

Mas eu parei; e paro lá de vez em quando,
Depois, acabo por pegar-me assim, confuso,
Me perguntando o que buscar; me perguntando:
Quando igrejas caírem em total desuso,
Que vamos fazer delas? Pôr as catedrais
Perpetuamente abertas à visita, expondo
Pergaminho, pátena e píxide em vitrina,
Com o resto grátis para a chuva e os animais?
Vamos temê-las, como sítios de má sina?

À noite, umas mulheres de moral suspeita
Virão fazer os filhos pôr a mão em dada
Pedra, colher ervas prum câncer, ou, à espreita,
Já prevenidas, ver passar a alma penada?
Uma força qualquer continuará em vigor
Em jogos e em enigmas, como que fortuita;
Mas a superstição — e a crença — vão ter fim,
E o que restará quando a descrença se for?
Céu, sarça, erva, pilastras, lajes com capim,

Uma forma a cada semana menos clara,
Um fim mais obscuro. Fico me indagando
Quem será o último, o último, de fato, a andar a
Este local pelo que ele era; alguém do bando
Que fuce e tome nota e saiba o que era o jube?
O ébrio de ruínas, seco por antiqualha,
Ou o viciado em natais, um dependente
De baforadas de alva e estola, mirra e tubos
De órgão? Ou mesmo um tipo que me represente

Com tédio, inculto, vendo o lodo espiritual
Disperso, mas cruzando o arrabalde e o mato
Rumo a esta cruz de terra, que, de modo igual
E tanto tempo, soube conservar intato
O que, depois, só se separa — origem, morte
E matrimônio, idéias tais — em honra ao qual
Se ergueu tal concha? Pois, se ignoro por completo
Pra quê o celeiro ornado e com bolor, conforta e
Apraz deixar-me estar aqui, a sós e quieto;

É uma casa séria em terra séria, e ali, no
Seu ar mesclado, as nossas compulsões se cruzam,
Se reconhecem e disfarçam de destino.
E tudo isso não pode cair em desuso,
Visto que sempre vai haver alguém que um dia
Se pegue ansiando ser mais sério, e assim termine
Por gravitar para essa terra, que, conforme
Ensinam, contribui para a sabedoria,
Só pelo número de mortos que ali dormem.

Tradução: Alípio Correia de Franca Neto

Damien Hirst






























THE OLD FOOLS

What do they think has happened, the old fools,
To make them like this? Do they somehow suppose
It’s more grown-up when your mouth hangs open and drools,
And you keep on pissing yourself, and can’t remember
Who called this morning? Or that, if they only chose,
They could alter things back to when they danced all night,
Or went to their wedding, or sloped arms some September?
Or do they fancy there’s really been no change,
And they’ve always behaved as if they were crippled or tight,
Or sat through days of thin continuous dreaming
Watching light move? If they don’t (and they can’t), it’s strange 

  [Why aren’t they screaming?


At death, you break up: the bits that were you
Start speeding away from each other for ever
With no one to see. It’s only oblivion, true:
We had it before, but then it was going to end,
And was all the time merging with a unique endeavour
To bring to bloom the million-petalled flower
Of being here. Next time you can’t pretend
There’ll be anything else. And these are the first signs:
Not knowing how, not hearing who, the power
Of choosing gone. Their looks show that they’re for it:
Ash hair, toad hands, prune face dried into lines –
[How can they ignore it?

Perhaps being old is having lighted rooms
Inside your head, and people in them, acting.
People you know, yet can’t quite name; each looms
Like a deep loss restored, from known doors turning,
Setting down a lamp, smiling from a stair, extracting
A known book from the shelves; or sometimes only
The rooms themselves, chairs and a fire burning,
The blown bush at the window, or the sun’s
Faint friendliness on the wall some lonely
Rain-ceased midsummer evening. That is where they live:
Not here and now, but where all happened once.
 [This is why they give


An air of baffled absence, trying to be there
Yet being here. For the rooms grow farther, leaving
Incompetent cold, the constant wear and tear
Of taken breath, and them crouching below
Extinction’s alp, the old fools, never perceiving
How near it is. This must be what keeps them quiet:
The peak that stays in view wherever we go
For them is rising ground. Can they never tell
What is dragging them back, and how it will end? Not at night?
Not when the strangers come? Never, throughout
The whole hideous inverted childhood?
 [Well, we shall find out.


OS VELHOS TONTOS

O que eles pensam que houve, os velhos tontos, pra ficar
Como ficaram? Julgam mais adulto quem mantém
A boca aberta, fica a se babar e a se mijar
O tempo todo, sem lembrar-se de quem foi em casa
Pra visitá-los de manhã? Ou por acaso creem
Que é só querer que o mundo volta ao tempo em que cada um
Dançou a noite inteira, foi casar-se, ou sentou praça
Nalgum setembro? Ou creem que tudo é como antanho,
Que o jeito que eles têm de estropiado ou de bebum
Foi seu, e a vida, o sonho longo e frágil de quem fita,
Sentado, a luz passar? Se não (nem pode ser), é estranho:
 Por que é que ninguém grita?

Na morte, a gente se desmancha: cada fragmento
Que nos compunha põe-se velozmente a separar-se,
Sem ninguém ver e para sempre. É, mesmo, esquecimento:
Nós o tivemos, antes, só que ele ia terminar,
E sempre se fundia a fim de que desabrochasse
O botão de um milhão de pétalas que é nossa vida.
Na próxima, não vai ser mais possível simular
Que haverá algo. E eis os sinais: não ver como se passa,
Não ouvir quem, a faculdade de escolher perdida.
O próprio aspecto que eles têm é apenas um indício
Das cãs em cinza, mãos de sapo, cara de uva-passa;
Como ignoram isso?

Talvez velhice seja ter em nossa mente muitos
Salões iluminados, com pessoas atuando.
Você se lembra delas — não dos nomes; cada vulto
Assoma como a volta de profunda perda, cruza
Umbrais já vistos, pousa um castiçal, de vez em quando,
Sorri da escada, tira um livro familiar da estante;
Ou só salões, cadeiras, a lareira onde reluz
A chama, uma janela, o arbusto a balançar lá fora,
E na parede a fraca, afável luz do sol, durante
Vazia tarde estival, depois da chuva. Este é o seu lar:
Não hoje e aqui, mas onde tudo aconteceu outrora.
 Por isso têm um ar

De ausência e frustração, tentando estar ali, não obstante,
Estando aqui. Pois os salões se afastam mais e mais,
Deixando o frio incompetente, o desgaste constante
De sorver o ar, e os velhos, a agachar-se sob a crista
Do alpe do fim, os velhos tontos, sem notar jamais
Quão perto está. Talvez seja isso o que os mantém serenos:
Em qualquer canto onde se esteja, o pico sempre à vista
Para eles é subir o morro. Será que não veem
O que os arrasta para trás, e como acaba? Ao menos
De noite, ou quando estranhos chegam? Nunca, no correr
De toda essa execrável inversão da infância? Bem,
 Havemos de saber

Tradução: Alípio Correia de Franca Neto


















Damien Hirst



ESSENTIAL BEAUTY

In frames as large as rooms that face all ways
And block the ends of streets with giant loaves,
Screen graves with custard, cover slums with praise
Of motor-oil and cuts of salmon, shine
Perpetually these shaply-pictured groves
Of how life should be. High above the gutter
A silver knife sinks into golden butter,
A glass of milk stands in a meadow, and
Well-balanced families, in fine
Midsummer weather, owe their smiles, their cars,
Even their youth, to that small cube each hand
Stretches towards. These, and the deep armchairs
Aligned to cups at bedtime, radiant bars
(Gas or electric), quarter-profile cats
By slippers on warm mats,
Reflect none of the rained-on streets and squares

They dominate outdoors. Rather, they rise
Serenely to proclaim pure crust, pure foam,
Pure coldness to our live imperfect eyes
That stare beyond this world, where nothing’s made
As new or washed quite clean, seeking the home
All such inhabit. There, dark raftered pubs
Are filled with white-clothed ones from tennis-clubs,
And the boy puking his heart out in the Gents
Just missed them, as the pensioner paid
A halpenny more for Granny Graveclothes’ Tea
To taste old age, and dying smokers sense
Walking towards them through some dappled park
As if on water that unfocused she
No match lit up, nor drag ever brought near,
Who now stands newly clear,
Smiling, and recognizing, and going dark.


BELEZA ESSENCIAL

Em molduras tão grandes quanto salas, e que dão
Pra toda parte, obstruem o fim das ruas com pães enormes,
Tapam covas com creme, cobrem com uma louvação
De óleo e salmão os bairros, fulguram perpetuamente
Os oásis em foto artística da vida conforme
O que ela deveria ser. Acima da calçada,
faca de prata se afunda na manteiga dourada,
Um copo de leite se destaca numa campina
E uma família estável, na atmosfera clara e quente
De um dia de verão, deve o sorriso, até seu carro
E sua juventude, àquele cubo pequenino a
Que cada um estende o braço. Essas imagens, e cada
Poltrona, as xícaras na hora de deitar, tubos claros
(A gás ou elétricos) e gatos meio de perfil
Perto dos chinelos num tapete macio
Nada refletem das ruas nem das praças molhadas

De chuva que elas regem fora. Antes, se erguem, de um jeito
Sereno, a proclamar a crosta pura, a espuma pura,
A frieza pura aos nossos olhos vivos e imperfeitos,
Fitando além deste mundo, onde nada salta à vista
Tão novo, nada lava tão branco – olhos à procura
Do lar que habitam. Lá, os bares com suas vigas pretas
Estão cheios de tenistas vestindo branco, e certo
Rapaz no W.C., botando o coração pra fora,
Acaba de perdê-las, assim como o pensionista
Paga mais no Chá Mortalha da Vovó pra que sinta
Gosto de velhice, e fumantes moribundos ora
Pressentem que anda até eles, entre sombras dispersas
Do parque, como se sobre a água, essa ela indistinta,
A que não ilumina o fósforo, não arrasta a draga,
Que há pouco se tornou nítida, e vaga
Sorrindo, reconhecendo e escurecendo depressa.

Tradução: Alípio Correia de Franca Neto



















Damien Hirst



THIS BE THE VERSE

They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soppy-stern
And half at one another’s throats

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can.
And don’t have any kids yourself


SEJA ESTE O VERSO

Eles te fodem, teus queridos pais.
É sem querer, só que a verdade é esta —
Te enchem das culpas que tiveram mais
E dão, só pra você, uma dose extra.

Mas eles se foderam com uns néscios
De paletós e de chapéus à antiga,
Durante o dia, piegas e perversos,
À noite, se esganando numa briga.

Legamos dor aos nossos semelhantes.
Como um recife, ela se crava fundo.
Por isso, saia dessa o quanto antes,
E nunca ponha filhos neste mundo

Tradução: Alípio Correia de Franca Neto (poeta, tradutor e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo, com o projeto “A Balada do Velho Marinheiro como representação artística da revery dos românticos”.)






















Damien Hirst



DAYS

What are days for?
Days are where we live.
They come, they wake us
Time and time over.
They are to be happy in:
Where can we live but days?

Ah, solving that question
Brings the priest and the doctor
In their long coats
Running over the fields.


OS DIAS

Para que servem os dias?
Os dias são o lugar onde vivemos.
Chegam, despertam-nos,
Uma e outra vez, repetidas vezes.
Existem para sermos felizes neles:
Onde é que podemos viver a não ser dias?

Ah, a resposta a esta questão
Traz o padre e o médico
A correrem pelos campos
De sobretudo.

Tradução: Pedro Silva Sena






















Damien Hirst



IGNORANCE

Strange to know nothing, never to be sure
Of what is true or right or real,
But forced to qualify or so I fell,
Or Well, it does seem so:
Someone must know.

Strange to be ignorant of the way things work:
Their skill at finding what they need,
Their sense of shape, and punctual spread of seed,
And willingness to change;
Yes, it is strange,

Even to wear such knowledge - for our flesh
Surrounds us with its own decisions -
And yet spend all our life on imprecisions,
That when we start to die
Have no idea why.


IGNORÂNCIA

Estranho nada saber, nunca ter a certeza
Do que é verdadeiro, certo ou real,
Forçado então a dizer pelo menos é o que sinto
Ou Bom, é o que parece:
Alguém deve saber.

Estranho ignorar o modo como as coisas funcionam:
A sua capacidade de encontrar o que necessitam,
O seu sentido de forma, e o espalhar da semente preciso,
E a sua vontade de mudar;
Sim, é estranho,

Trazer vestido até tal conhecimento – pois a nossa carne
Cerca-nos com as suas próprias decisões –
E ainda assim gastar a vida em imprecisões,
Tanto que quando começamos a morrer
Nem fazemos a ideia do porquê.

Tradução: Pedro Silva Sena

























Damien Hirst


REFERENCE BACK

That was a pretty one, I heard you call
From the unsatisfactory hall
To the unsatisfactory room where I
Played record after record, idly,
Wasting my time at home, that you
Looked so much forward to.

Oliver's Riverside Blues, it was. And now
I shall, I suppose, always remember how
The flock of notes those antique Negroes blew
Out of Chicago air into
A huge remembering pre-electric horn
The year after I was born
Three decades later made this sudden bridge
From your unsatisfactory age
To my unsatisfactory prime.

Truly, though our element is time,
We are not suited to the long perspectives
Open at each instant of our lives.
They link us to our losses: worse,
They show us what we have as it once was,
Blindingly undiminished, just as though
By acting differently we could have kept it so.


RECORDAÇÃO

Essa era muito gira, ouvi-te eu gritar
Do corredor insatisfatório
Para o quarto insatisfatório onde eu
Punha a tocar disco atrás de disco, indolente,
A gastar o meu tempo em casa, de que tu
Estavas tão desejosa de.

Era Oliver, Riverside Blues. E agora,
Suponho, terei presente, sempre,
Como aqueles negros fora de moda sopravam o bando de notas
Do ar de Chicago
Para uma enorme trompa pré-eléctrica de rememorar
O ano seguinte ao do meu nascimento
Três décadas depois fez esta repentina ponte
Da tua idade insatisfatória
À minha insatisfatória primavera.

Na verdade, embora o nosso elemento seja o tempo,
Não estamos talhados para as longas perspectivas
Abertas a cada instante das nossas vidas.
Elas tecem-nos laços com as nossas perdas: pior,
Mostram-nos o que temos tal como o tivemos,
Cegamente incólume, tal como se,
por agirmos de outro modo, o pudéssemos ter assim mantido.

Tradução: Pedro Silva Sena

















Damien Hirst



TOADS REVISITED

Walking around in the park
Should feel better than work:
The lake, the sunshine,
The grass to lie on,

Blurred playground noises
Beyond black-stockinged nurses -
Not a bad place to be.
Yet it doesn't suit me,

Being one of the men
You meet of an afternoon:
Palsied old step-takers,
Hare-eyed clerks with the jitters,

Waxed-fleshed out-patients
Still vague from accidents,
And characters in long coats
Deep in the litter-baskets -

All dodging the toad work
By being stupid or weak.
Think of being them!
Hearing the hours chime,

Watching the bread delivered,
The sun by clouds covered,
The children going home;
Think of being them,

Turning over their failures
By some bed of lobelias,
Nowhere to go but indoors,
No friends but empty chairs -

No, give me my in-tray,
My loaf-haired secretary,
My shall-I-keep-the-call-in-Sir:
What else can I answer,

When the lights come on at four
At the end of another year?
Give me your arm, old toad;
Help me down Cemetery Road.


SAPOS (REVISTO)

Dar uma volta pelo parque
Devia saber melhor que trabalhar:
O lago, o sol a brilhar,
A relva para nos deitarmos,

Sons de brincadeira esborratados
Por detrás de enfermeiras de meia preta –
Não é um sítio desagradável,
Porém, não me convém,

Sendo eu um daqueles homens
Que se conhece em uma tarde:
Velhos paralíticos de passinhos curtos,
Escriturários com nervos miudinhos e olhos de lebre,

Pacientes de ambulatório pálidos como cera
Ainda turvos dos acidentes,
E personagens de sobretudo
No fundo dos caixotes do lixo –

Cada um a fintar o trabalho do sapo
Sendo estúpido ou fraco.
Imaginem-se assim como eles!
A ouvir as horas a soar,

Observando o pão a ser distribuído,
O sol obnubilar-se,
As crianças a irem para casa;
Imaginem-se assim como eles,

A entregar os falhanços
Por um leito de lobélias,
Sem ter para onde ir senão entre as quatro paredes,
Sem amigos excepto cadeiras vazias –

Não, deem-me a minha correspondência
A minha secretária de cabelo cor de pão
A minha senhor-doutor-mantenho-esta-chamada-em-espera:
Que outra resposta posso eu dar,

Quando as luzes se acendem às quatro
No final de mais doze meses?
Dê-me o braço, amigo sapo;
Ampare-me até à Quinta dos Silêncios.

Tradução: Pedro Silva Sena

















Damien Hirst


TALKING IN BED

Talking in bed ought to be easiest
Lying together there goes back so far
An emblem of two people being honest.

Yet more and more time passes silently.
Outside the wind's incomplete unrest
builds and disperses clouds about the sky.

And dark towns heap up on the horizon.
None of this cares for us. Nothing shows why
At this unique distance from isolation

It becomes still more difficult to find
Words at once true and kind
Or not untrue and not unkind.


CONVERSAR NA CAMA

Conversar na cama devia ser mais fácil
Dois deitados juntos — é desde há muito
Um símbolo de duas pessoas sendo francas.

Ainda que mais e mais tempo passe em silêncio.
Lá fora, a intérmina inquietação do vento
Amontoa e dispersa nuvens pelo céu.

E cidades escuras se empilham no horizonte.
Nada disso se importa conosco. Nada mostra por que
A essa distância única do isolamento

Se torna ainda mais difícil achar
As veras palavras certas e sinceras
Ou não incertas e nem insinceras.

Tradução de Luiz Roberto Guedes




















Damien Hirst



HIGH WINDOWS

When I see a couple of kids
And guess he's fucking her and she's
Taking pills or wearing a diaphragm,
I know this is paradise

Everyone old has dreamed of all their lives —
Bonds and gestures pushed to one side
Like an outdated combine harvester,
And everyone young going down the long slide

To happiness, endlessly. I wonder if
Anyone looked at me, forty years back,
And thought, That'll be the life;
No God any more, or sweating in the dark

About hell and that, or having to hide
What you think of the priest. He
And his lot will all go down the long slide
Like free bloody birds. And immediately

Rather than words comes the thought of high windows:
The sun-comprehending glass,
And beyond it, the deep blue air, that shows
Nothing, and is nowhere, and is endless.


JANELAS ALTAS

Quando eu vejo um casalzinho jovem
E acho que ele trepa com ela, e ela
Toma pílula ou usa um DIU,
Eu sei que isso é o paraíso

Que gente velha sonhou a vida toda —
Gestos e laços postos de lado
Feito um traste antigo, fora de moda
E todo jovem arrebatado em longa fuga

Rumo à felicidade, sem fim. Fico pensando se
Alguém olhou para mim, quarenta anos atrás,
E pensou, Esse vai ser meu futuro.
Nada mais de Deus, nem de suar no escuro

Com medo do inferno, tudo isso, ou ter que
Esconder meus pensamentos do padre. Ele
E sua sorte serão arrebatados nessa fuga,
Livres como malditos pássaros. E, de imediato,

Mais do que palavras, vem o pensamento
[de janelas altas:
O vidro abarcando o sol,
E além dele, o profundo ar azul, que mostra
Nada, e é lugar nenhum, e é sem fim.

Tradução de Luiz Roberto Guedes

























Damien Hirst


STORY

Tired of a landscape known too well when young:
The deliberate shallow hills, the boring birds
Flying past rocks; tired of remembering
The village children and their naughty words,
He abandoned his small holding and went South,
Recognised at once his wished-for lie
In the inhabitants' attractive mouth,
The church beside the marsh, the hot blue sky.

Settled. And in this mirage lived his dreams,
The friendly bully, saint, or lovely chum
According to his moods. Yet he at times
Would think about his village, and would wonder
If the children and the rocks were still the same.
But he forgot all this as he grew older.


HISTÓRIA

Cansado de uma paisagem já bem conhecida desde jovem:
As pasmacentas colinas baixas, os pássaros maçantes
Voando sobre rochas; cansado de recordar
As crianças do povoado e suas bocas sujas,
Ele largou seu pedaço de chão e foi para o Sul
Logo reconheceu o lugar que almejava
Na boca amável dos habitantes,
A igreja junto ao pântano, o ardente céu azul.

Assentou-se. E nessa miragem viveu seus sonhos,
O alegre fanfarrão, santo, ou bom companheiro,
Dependendo de seu humor. Embora, às vezes,
Pensasse em seu vilarejo e se perguntasse
Se as crianças e rochas ainda eram as mesmas.
Mas esqueceu tudo isso quando ficou velho.
Tradução de Luiz Roberto Guedes

























Damien Hirst


WHY DID I DREAM OF YOU LAST NIGHT?

Why did I dream of you last night?
Now morning is pushing back hair with grey light
Memories strike home, like slaps in the face;
Raised on elbow, I stare at the pale fog
Beyond the window.

So many things I had thought forgotten
Return to my mind with stranger pain:
— Like letters that arrive addressed to someone
Who left the house so many years ago.


POR QUE SONHEI CONTIGO A NOITE PASSADA?

Por que sonhei contigo a noite passada?
Agora a manhã empurra cabelos para trás
[com uma luz grisalha
Lembranças batem de volta, como tapas na cara;
Apoiado no cotovelo, eu fito o branco nevoeiro
Além da janela.

Tantas coisas que eu pensava esquecidas
Voltam agora à mente numa estranha dor:
Como cartas que chegam para outra pessoa
Que há muito tempo já se foi.

Tradução de Luiz Roberto Guedes


FONTES: - As traduções de Alípio Correia de Franca Neto foram transcritas da Revista Crioula, n° 4, nov. 2008, publicada pela USP – www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/

- As traduções de Pedro Silva Sena foram retiradas da Revista Inefável, jan.-jun., 2007. Endereço: http://revistainefável.weblog.com.pt

- As traduções de Luiz Roberto Guedes foram reproduzidas do site Germinal Literatura, endereço: http://www.germinaliteratura.com.br


Comentários

  1. Olá, Silvana. Obrigado pela visita. Seu entusiasmo é contagiante. Pode deixar que vou visitar o seu blog. Que maravilha essa vida no seio da natureza! Vivo olhando muros, postes, fios, viadutos e carros passando. Se não fosse a poesia, eu seria um zumbi.

    Beijos
    José Antônio

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  2. Oi Jose Antonio, (no hablo portugués, pero lo leo); haces un trabajo maravilloso.Tal vez te guste también alguno de mis blogs :) Yo necesito saber si gusta el contenido de ellos. ¿Quisieras verlos? Saludos desde Lima.
    http://copadeletras.blogspot.com http://mispoetas2009.blogspot.com http://arbolaridad.blogspot.com

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  3. Estimada Anahy,

    yo iré verlos sí, con mucha atención.

    Saludos desde Rio de Janeiro

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  4. Oi José Antonio,

    Acredito que recebi por email um convite a uma outra pessoa.Resolvi conferir e ai grata surpresa,um presente que compensa o amor que dedico a poesia.E li assim,logo na introdução:"Poema como trajeto, não como coleção."E,por tudo que li,contemplei e vibrei por aqui quero lhe dizer que sua construção é preciosa...para colecionadores em trânsito por este infinito virtual.
    Quero convidá-lo a conhecer meus espaços.
    www.cristinasiqueira.blogspot.com

    Com admiração,

    Cris

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