GUILHERME IX DE AQUITÂNIA

























 Guilherme, IX Duque de Aquitânia e VII Conde de Poitiers (1071-1126), foi um dos mais famosos senhores feudais. Tinha apenas 15 anos quando, por morte de seu pai, se tornou dono de vastos domínios do Sul da França, que soube defender e até quis alargar, em lutas com outros senhores feudais e com o próprio rei francês Filipe I; tais lutas não o impediram de participar em duas cruzadas, uma para a conquista cristã de Jerusalém, outra para libertar a Espanha dos mouros. Casado com Hermengarda de Anjou, e logo divorciado dela, uniu-se a Filipa-Matilde de Toulouse, jovem viúva de Afonso I de Aragão, que lhe deu vários filhos, entre os quais o seu sucessor Guilherme (pai de Leonor de Aquitânia, que, além de ser protetora de poetas, foi mulher de reis da França e da Inglaterra e mãe de Ricardo Coração de Leão e de João sem Terra). Mas não se livrou da fama de ser “um dos maiores sedutores de donas”, e a sua relação adúltera com Dangerosa-Maubergeonne valeu-lhe até uma das duas excomunhões que lhe deram os bispos de Poitiers e de Angoulême. 


Nas 101 Vidas, anônima biografia de trovadores, é considerado um dos maiores “trichadors de dompnas”, isto é, um sedutor, enganador e gozador de senhoras. Outros deram-no como “veemente amador de mulheres’ (Gofredo de Vigeois), perdido no “lamaçal dos vícios” (Guilherme de Malmesbury), “inimigo de todo o pudor e santidade” (Gofredo Grosso), ou como histrião, folgazão, faceto e libertino, e, obviamente, como “excomungado”.


Nas suas cortes, soube estimular o gosto pelas artes; ele próprio se afirmou como um grande poeta. Nos 11 poemas que dele conhecemos pode medir-se a energia criativa do fundador da poesia ocidental numa nova língua românica, do inventor do “amor cortês”, do fabuloso criador de poemas emblemáticos sobre a arte de viver, de amar e de poetar, criador que Ezra Pound considerou tão moderno naquela época como na nossa.


O texto acima e o saboroso poema abaixo fazem parte do livro Poesia / Guilherme IX de Aguitânia, editado pela Unicamp e com tradução e uma rica introdução de Arnaldo Saraiva, professor da Faculdade de Letras do Porto.




V. FARAI UN VERS, POS MI SONELH

Farai un vers, pos mi sonelh      
e’m vauc e m’estauc al solelh.    
Donnas i a de mal conselh,
e sai dir cals:
cellas c’amor de cavalier
tornon a mals.    

Donna fai gran pechat mortal
qe no ama cavalier leal;
mas s’ama monge o clergal
non a raizo:
per dreg la deuria hom cremar
ab un tezo.       

En Alvernhe, part Lemozi,
m’en anei totz sols a tapi:
trobei la moiller d’en Guari
e d’En Bernart;
saluderon mi simplamentz
per Sant Launart.         

La una’m dis en son lati:
“E Dieus vos salf, don peleri!
Mout mi semblatz de bel aizi.       
mon escient;
mas trop vezem anar pel mon
de folla gent”.

Ar auziretz qu’ai respondut;
anc no li dis ni bat ni but,
ni fer ni fust no ai mentaugut,
mas sol aitan:
“babariol, babariol,
babarian”.

So dis N’Agnes a N’Ermessen:
“trobat avem que anam queren,
Sor, per amor Deu, l’alberguem,
que ben es mutz,
e ja per lui nostre conselh
non er saubutz”.

La una’m pres sotz son mantel,
e mes m’en sa cambra, al fornel;
sapchatz qu’a mi fo bon e bel,
e’l focs fo bos,
et ieu calfei me volentiers
als gros carbos.

A manjar mi deron capos,
e sapchatz, aguí mais de dos,
e no’i ac cog ni cogastros,
mas sol no tres;
e’l pans fo blancs e’l vins fo bos
e’l pebr’espes.

“Sor, s’aquest hom es enginhos
e laissa lo parlar per nos  ̶
nos aportem nostre gat ros
de mantenent,
que’l fara parlar az estros,
si de re’nz ment”.

N’Agnes anet per l’enujos,
e fo granz et ac loncz guinhos;
et ieu, can lo vi entre nos,
aig n’espavent,
qu’a pauc no’n perdei la valor
e l’ardiment.
Quant aguem begut e manjar,
ieu mi despoillei a lor grat.
Detras m’aporteron lo cat
mal e felon:
la una’l tira del costat
tro al talon.

Per la coa de mantenen
tira’l gat et el escoissen;
plajas mi feiron mais de cen
aquella ves;
mas eu no’m mogra ges enguers,
qui m’ausizes.

“Sor”, diz N’Agnes a N’Ermessen,
“mutz es, que ben es conoissen.
Sor, del banh nos apareillem
e del sojorn”.
Ueit jorns ez ancar mais estei
en aquel forn.

Tant las fotei com auziretz:
cen e quatre vint et ueit vetz,
que a pauc no’i rompei mos corretz
e mos arnes;
e no’us puesc dir lo malaveg,
tan gran m’en pres!

Monet, tu m’iras al mati,
mo vers portaras el borssi
dreg a la molher d’En Guari
e d’En Bernat,
e diguas lor que per m’amor
aucizó’l cat.

























V. FAREI UM POEMA, TENHO SONO


Farei um poema, tenho sono.
Ao sol caminho e me abandono.
Donas decretam de um mau trono
e eu sei bem quais
que os amores de cavaleiro
são imortais.

Mas só é pecado mortal
não amar cavaleiro leal;
amar padres é que é total
aberração
que deveria queimar donas
com um tição.

Por Auvergne e Limousin
andava eu, pobre de mim;
topei a mulher de Guari
e de Bernardo;
e simplesmente me saudaram
por S. Leonardo.

Disse uma com seu som latino:
“Salve-o Deus, senhor peregrino!
Tendes o ar de um homem fino,
se não me engana,
e por demais vemos no mundo
gente insana”.

Agora ouvireis o que eu lhe disse:
Nem chus nem bus que ali se ouvisse,
“ferro” ou “fuste”, ou qualquer tolice.
Só disse então:
“Babariol babariol
babarião”.

“Mana”  ̶  a Ermezinda diz Inês  ̶
“cá temos o nosso freguês!”
Por Deus, juntemo-nos os três
sem nenhum medo;
se é mudo ninguém saberá
nosso segredo.

Logo me cobriu com o manto,
levou-me ao quarto, o fogo a um canto;
sabei como foi bom, oh, quanto!
Boa era a casa,
e com prazer me acalentei
com aquela brasa.

Serviram-me capões depois
e  ̶  sabei  ̶  comi mais de dois.
Sem criados, comemos pois
os três somente;
branco era o pão, muita pimenta,
vinho excelente.

“Mana, se este homem não nos fala
e só por esperto se cala
é coisa que há que prová-la
urgentemente
com o gato pardo que fará
falar quem mente”.

Buscou Inês o bicho atroz,
enorme, com o bigode aos nós.
Quando o vi perto de nós,
tive arrepios;
por pouco não perdi o alento
e os meus brios.

Já bem bebido e bem comido
tirei a roupa a seu pedido,
foram-se ao gato enraivecido,
essa má rês,
e uma o passou nas minhas costas
até os pés.

Pegou no rabo de repente
puxou-o bem, a indecente.
Fiquei todo arranhado e doente
naquele dia;
mas nem que estivesse a morrer
me queixaria.

“Mana”  ̶  Inês disse a Ermesinda  ̶ 
“é mudo, a nossa prova é finda.
Cada qual trate de estar linda
para o prazer”.
Oito dias permaneci
ali a arder.

Tanto as fodi! Darei do coito
A conta: cento e oitenta e oito.
Quase rompi por muito afoito
cintos e arneses
e não direi quanto por isso
sofri revezes.

Monet, parte amanhã daqui;
este poema que escrevi
darás à mulher de Guari
e de Bernardo.
Diz-lhes que por meu amor matem
o gato pardo.

Comentários

  1. Sou fascinado pela idade média européia... fascínio que influencia tudo o que escrevo...
    Belíssima postatem!

    ;)

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  2. o cancioneiro medieval sempre nos apresenta belezas e surpresas, outro dia estava lendo Bernal de Bonaval e fiquei assustado com a proximidade da voz,

    abraço

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  3. Francisco e Assis, que bom que vocês também gostam da poesia medieval. Aprendi a amá-la à primeira vista, nos livros escolares e posteriormente nas páginas do livro de Segismundo Spina dedicado a ela. Depois o encanto aumentou com as traduções de Augusto de Campos, em quem os poetas medievais encontraram um talento poético similar.
    Nos textos trovadorescos encontro muitas vezes um sopro de vida que a poesia contemporânea parece ter perdido.
    Um abraço

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