ADONIS
Adonis, revolução do verso árabe
Texto de Charles McGrath -THE NEW YORK TIMES ANN ARBOR, Michigan - O Estado de S.Paulo – Tradução de Terezinha Martino
Todo ano, o nome do poeta sírio Adonis aparece nos jornais e nas casas de apostas. Adonis, pseudônimo que Ali Ahmad Said Esber adotou ainda adolescente, é um eterno favorito ao Nobel de Literatura. Este ano, para a empresa de apostas britânica Ladbrokes as chances eram de oito para um de que ele ganharia o Nobel, uma aposta mais segura do que Mario Vargas Llosa, que acabou levando o prêmio.
Uma das razões dessa aposta dos especialistas é o fato de Adonis ser um poeta e ultimamente os poetas não têm tido quase representação entre os agraciados com o Nobel. E um outra é que ele escreve em árabe, língua de um único ganhador de um Nobel, Naguib Mahfouz; e uma terceira razão tem a ver com o fato de que, como ocorreu com tantos ganhadores do prêmio, muitos americanos nunca ouviram falar dele.
No mundo árabe, contudo, Adonis é famoso, mesmo não sendo apreciado em todos os lugares. Defensor do laicismo, coloca suas ideias de modo franco e direto; é também um crítico do Oriente e do Ocidente, um poeta revolucionário que se junta àqueles que tentaram libertar o verso árabe das suas formas e temas tradicionais. Alguns dos seus poemas são longos e difíceis, lembrando os Cantos de Ezra Pound na sua fase mais impenetrável.
Outros expressam a alegria de um Paul Muldoonish, a fascinação e a amplitude de um Jorie Graham. Seus poemas são tão inclinados a citar Jim Morrisson quanto os místicos Sufi, e o seu livro, lançado em 2003, Prophesy, O Blind One, inclui longos versos sobre uma viagem, que poderiam ter sido escritos por Whitman, se ele tivesse passado mais tempo em aeroportos. "Segundo os livros didáticos na Síria, eu arruinei a poesia", disse recentemente o poeta com um sorriso de satisfação.
Adonis, que hoje está com 80 anos, mudou-se para o Líbano por razões políticas nos anos 60, mas vive em Paris desde a década de 80 (ele é cidadão francês). A Editora da Universidade de Yale lançou no mês passado um volume de poemas selecionados do poeta, com tradução de Khaled Mattawa. Adonis esteve na Universidade de Michigan, onde leu alguns dos seus poemas e proferiu conferências. Pequeno e animado, uma nuvem de cabelos grisalhos, Adonis posou para fotos ao lado de fãs femininas que provavelmente queriam guardar uma lembrança dele, caso a Academia Sueca lhe conceda o próximo prêmio. Mas, em conversas, Adonis recusou-se a falar a respeito. "Não penso nisso. E não quero falar a respeito."
Seu desinteresse por prêmios em parte tem a ver com a sua modéstia e em parte, a julgar por uma conferencia que proferiu, de uma concepção de poesia que transcende não só a política literária, mas a política no geral. Para ele, a poesia não é apenas um gênero ou uma forma de arte, mas uma maneira de pensar, quase uma revelação mística. "Poesia não pode ser feita de modo a se adequar à religião ou uma ideologia", disse ele. "Ela proporciona um conhecimento que é explosivo e surpreendente."
Em seguida, lamentou o que chama de "atraso" da poesia árabe contemporânea, que, na sua opinião, tornou-se instrumento retórico para celebrar e explicar o "status quo" político e religioso. No sistema islâmico não há muito lugar para a poesia, porque o Islã pressupõe que o conhecimento do Alcorão é completo e não existe mais nada a acrescentar.
Ele observa que a situação da poesia no Ocidente não é muito melhor, marginalizada não tanto pela religião ou ideologia, mas pela cultura pop e pela mídia. Mas seu entusiasmo pelos versos continua vigoroso. A poesia árabe tradicional, explicou, normalmente é arranjada em 16 métricas básicas, os versos divididos por uma única rima final que se mantém no poema inteiro. A partir dos anos 60, Adonis procurou inovar, introduzindo versos livres sem rima e até mesmo poesia em prosa, usando métricas mistas.
"Quis utilizar a mitologia e a tradição árabes sem ter de me ater a elas", diz ele, acrescentando: "Quis quebrar a linearidade do texto poético. O poema tem que ser mais uma trama do que um único fio de pensamento." Para alguns críticos, a poesia de Adonis é uma obra de exílio, mas isso não o preocupa. "Todo artista está num exílio dentro da própria linguagem. O Outro é parte do meu ser interior."
Mais recentemente, seu trabalho conta com novo elemento erótico; num dos poemas, a amada é a própria poesia, imaginada como a amante que chega à noite num vestido negro. "Felicidade e tristeza são duas gotas de orvalho caindo sobre a sua cabeça."
NOTA – O fato de Adonis ser considerado o maior poeta do mundo árabe parece não ter sensibilizado nenhuma editora brasileira a publicar um de seus livros, sequer uma simples antologia. Lamentavelmente teremos de esperar que o mercado editorial dos países centrais dê um sinal de validação mais forte para que nossas editoras e nosso sistema cultural possam endossar a crítica do primeiro mundo.
Na falta de traduções em português, recorri ao espanhol, idioma no qual existe um excelente site dedicado à poesia árabe - www.poesiaarabe.com – onde encontrei diversos poemas de Adonis, traduzidos do árabe para o espanhol por María Luisa Preito, alguns dos quais postei abaixo.
POEMAS
CELEBRACIÓN DE BEIRUT, 1982
El tiempo avanza
apoyado en un bastón de huesos de muertos.
El filo del insomnio
corta el cuello de la noche.
El sol parece decir a su claridad:
deslumbra mis ojos
para no ver.
El día teme al día,
la noche se oculta de la noche,
el sol se frota los ojos y suspira:
no puede creer lo que ve.
Gracias
al polvo que se mezcla con el humo
de los incendios y lo mitiga,
al intervalo entre bomba y bomba,
a las baldosas que no cesan
de sostener mis pasos.
Gracias a la roca que enseña paciencia.
Experimento la borrachera de las explosiones,
la embriaguez del ruido,
y disparo mi rostro
por el espacio de las probabilidades.
La luz se extinguió.
Encenderé el astro de mis sueños.
Tómame, amor
y abrázame.
In: Celebración del claroscuro (1988)
CELEBRACIÓN DEL CLAROSCURO
La vida es el elixir de la muerte,
por eso la muerte no envejece jamás.
El mar no sabe bailar
ni dormir
más que desnudo.
Amor: eternidad que dura un solo instante.
Odio: instante que dura como si fuera eterno.
La playa usa el tiempo
para permanecer sentada.
Las olas usan el tiempo
para permanecer en movimiento.
La alegría tiene alas
pero no tiene cuerpo.
La tristeza tiene cuerpo
pero no tiene alas.
La rosa es la estación del ojo,
su perfume, la estación del corazón.
Ola: guitarra
cuyas cuerdas son las playas.
El desierto se fue lejos por amor al sol.
Así se quemó.
La ceniza tiene siempre mirada de despedida.
El fuego tiene siempre mirada de encuentro.
Jardín: mujer
cuyo cuerpo es la tierra
y la hierba el vestido.
Rosa: barco que navega por el aire
con un solo pasajero: el perfume.
¿Es pecado el deseo?
Tal vez, a veces.
Pero el placer
es siempre casto.
In: Celebración del claroscuro (1988)
EL SUEÑO Y EL DESPERTAR
Crea en su sueño
un modelo de revolución rebelde
que abraza el creciente futuro.
Despierta de su sueño
y sus días se convierten
en anhelos
que lloran la noche pasada
y su quimera perdida.
In: El teatro y los espejos (1988)
INVASIÓN
El pájaro se quema,
los caballos, las mujeres y las aceras
se parten como pan
en las manos de Taymur.
In: El teatro y los espejos (1988)
EL PASADO
¡Cuántas veces he llevado piedras
desde las colinas de Samarcanda!
Moldeaba las piedras en lanzas
o en collares
para mis amadas esclavas.
¡Cuántas veces he tejido de hombres
jaimas y almohadas!...
In: El teatro y los espejos (1988)
LA BALA
Una bala gira
engrasada con el resplandor de la civilización,
perfora el rostro de la aurora -cada instante
se repite esta escena-
los presentes
renuevan el trago de la vida, animan
sin telón, oscuridad ni descanso:
la escena es la historia
y el actor la civilización.
In: El teatro y los espejos (1988)
SITUACIÓN DEL DESIERTO/EL NARCISO
El agua posee una flauta que
yo escuchaba
y mi deseo escuchaba una lengua
cuyo sonido se retrasaba
y surgía en cualquier momento.
He cambiado de caravana.
La creación es barro, juego.
Me recrearé con mis secretos
y con su juego.
Yo soy éste que un desierto ha creado.
Los ciervos de mis sueños
están vestidos con palmeras.
Es inútil jugar al tric-trac
con la luna, viajar en
una alfombra de seda,
es inútil creer las profecías
del cuervo de mi suposición
ni las promesas de destrucción.
Oh, poesía, cochero loco,
tómanos para adelantarnos
a nuestra muerte, para ver
y escribir lo que vendrá
Desierto-madre,
y yo soy el testimonio perdido,
desvaría como quien camina sobre
sus miembros.
Camina y amarra los pies
al espacio. Y yo soy el testimonio,
nuestra tierra se desvanece
por tantos profetas como ve
sobre ella.
Desierto: secreto.
Este es el secreto manifiesto,
una nube que arroja
su manto sobre nosotros,
su murmullo es el lenguaje oculto
de las estrellas.
Extravío, y una caravana pierde
una caravana.
Desierto. Una piedra me roza: ¿eres
tú mismo? Yo rozo a la acera amiga.
¿Eres tú mismo? Tu chispa
ha devorado a la chispa.
Desierto. Una palmera lleva
una estrella. Una camella lleva
la luna y crea los desiertos.
Desierto: narciso que se sumerge
y flota en el laberinto
de los espejos
hecho añicos.
Danza con su imagen y su llanto
y graba en ella su rostro,
sus fragmentos se desintegran.
Enloquece con estas imágenes fragmentadas.
Teje el día con la noche
como un sueño que alumbra
y muere amando.
Narciso es el único que queda.
Narciso no es más que un espectro,
este espectro no es más que su sollozo.
Helo aquí. Lo veo como lo han descrito
sus sueños. Ha olvidado el camino
que le conduce a su agua, ha olvidado
las palabras.
Lo veo coronado con su espejismo.
Fatigado, ha dado la mano
al infinito cielo
y se ha dormido.
In: El asedio de Beirut, 1985
opa!
ResponderExcluirteria como você me enviar sua dissertação sobre a poesia do cacaso? Recentemente adquiri o lero-lero e fiquei mais fascinado ainda com meu conterrâneo.
o e-mail é versosdecor@gmail.com
saudações,
ft.