GERARD MANLEY HOPKINS



Gerard Manley Hopkins (1844-1889) é um dos maiores nomes da literatura inglesa. Jesuíta no berço do anglicanismo, homem do século XIX, mas muito à frente da sua época, clássico e vanguardista, esteta e asceta.

Em sua obra, o padre-poeta conjugou mística e arrojo verbal, produzindo versos cuja grandeza nem seus amigos mais chegados conseguiram avaliar corretamente. Somente três décadas depois de sua morte, leitores da envergadura de Herbert Read, T. S. Eliot, I. A. Richards e Edward Sapir descobriram realmente quem tinha sido o poeta Hopkins.
The Windhover, poema dedicado “a Cristo Nosso Senhor”, é considerado texto central em sua produção. Trata-se de um soneto, escrito meses antes de sua ordenação sacerdotal, em maio de 1877, pouco depois da Páscoa. Descreve o impacto emocional causado pela visão de um pequeno falcão que realiza proezas no ar. Essa visão leva/eleva o coração do poeta a pensar em Cristo, enaltecê-lo e a acompanhar sua morte violenta e a vitória final (a última estrofe do poema alude ao sacrifício redentor da cruz).
Hopkins apreciava a natureza com olhos contemplativos, com nítida predileção pelos pássaros, símbolo da ascensão espiritual.

Windhover é um tipo de falcão que consegue deter-se em pleno ar, a cabeça voltada contra o vento, como a desafiá-lo. Tal aprumo impressionou o poeta e arrebatou sua mente, associando o pássaro a um Cristo que cavalga no céu com total autodomínio.
Do ponto de vista formal, também o poema desafia os tradutores. Aliterações, assonâncias, elipses, paronomásias e um ritmo acentual – o chamado sprung rhythm -, que procede a saltos, todo um conjunto de recursos poéticos que exige, segundo Augusto de Campos, mais do que tradução, uma recriação.
Tal recriação não é das mais fáceis. A começar pelo título. Literalmente, windhover significa “aquele que flutua no espaço ao sabor do vento”. A palavra “falcão” é já um empobrecimento, que José Paulo Paes (*) tentou contornar intitulando sua tradução “Falcão ao Vento”, para não perder o que há de sugestivo em “wind”.

Texto de Gabriel Perissé

*  Das três traduções do poema consultadas – a de Augusto de Campos, a de Aíla de Oliveira Gomes e a de José Paulo Paes –, escolhi a deste último por considerá-la a melhor. 



The Windhover

To Christ Our Lord


I caught this morning morning's minion, king-
      dom of daylight's dauphin, dapple-dawn-drawn Falcon, in his riding
      Of the rolling level underneath him steady air, and striding
High there, how he rung upon the rein of a wimpling wing
In his ecstasy! then off, off forth on swing,
      As a skate's heel sweeps smooth on a bow-bend: the hurl and gliding
      Rebuffed the big wind. My heart in hiding
Stirred for a bird, – the achieve of, the mastery of the thing. 

Brute beauty and valour and act, oh, air, pride, plume, here
      Buckle! AND the fire that breaks from thee then, a billion
Times told lovelier, more dangerous, O my chevalier!

      No wonder of it: shéer plód makes plough down sillion
Shine, and blue-bleak embers, ah my dear,
      Fall, gall themselves, and gash gold-vermilion.



Falcão ao vento

A Cristo Nosso Senhor

     Tradução de José Paulo Paes

Vi de manhã o mimo da manhã montando,
      Delfim do despertar do dia, fulvo falcão em luz listrando-se,
     Sob si sinuoso ar sereno, e após alçando-se
Ali tão alto: que altivo o seu freio e mando
Da ala ondulosa do êxtase! e então avante, avante, quando,
      Qual pé de patim que rala rente a curva arcada, o impulso pando
      Vencia o vasto vento. Meu coração, guardando-se,
Ansiava por uma ave – tanto domínio e mestria, tanto!

Brutos e belos o valor, o ato, oh ar, arrogo e plumas, ei-los
      Aliados, e a flama a fulgir em ti, essa um bilhão
De vezes dita mais graciosa, e perigosa, oh sim, meu cavaleiro!

      Não admira: mero amanho faz a leiva no chão
Brilhar, e brasas azul-gelo, ah meu cordeiro,
      Caem, cortam-se e cospem ouro-vermelhão.

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