Ana Harthely
Ana Hatherly poeta,
tradutora, ensaísta e professora universitária, nasceu no Porto em 1929. É
licenciada pela Universidade de Lisboa e Doutorada em Literaturas Hispânicas
pela Universidade de Berkeley (U.S.A.). Estudou música e arte
cinematográfica. Iniciou a sua carreira literária em 1958 com o livro de poemas Um Ritmo Perdido. Foi uma das
principais colaboradoras do grupo de Poesia experimental, nos anos 60 e 70. A
sua poesia reúne fortes tendências barroquizantes e visuais. Algumas das suas
obras fundem a expressão poética com a intervenção plástica. É o caso, por
exemplo, de Mapas da Imaginação e da Memória (1973), bem
como de várias exposições que incluem desenho, pintura e colagem, realizadas em
galerias e centros de exposições. O seu trabalho está representado nas
mais importantes Antologias e Histórias da Literatura Contemporânea de
Portugal, Brasil, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Dinamarca,
Suécia, Holanda, e República Checa. Tisanas é
a sua obra mais traduzida.
Ana Hatherly inicia em
meados da década de 60 um percurso singular pela interioridade da escrita para
concluir que esta «nunca foi senão representação: imagem». A artista empreende
uma arqueologia da língua que a levará às origens dos signos e à herança da
caligrafia oriental arcaica, que copia, disciplinadamente, até a mão se tornar
«inteligente». O instrumento já não é a caneta, a mão, mas todo o corpo que se
move e se inscreve na indizibilidade da escrita-imagem.
Ana Hatherly, Inspo-expiro, 1959-1969 |
Falo
do que é físico
Falo do que é
físico porque não tenho outra realidade.
Falo do corpo
do mundo
do que ainda não
sabemos e chamamos divino.
Falo do que é
físico
porque tudo o
que é real tem corpo e ocupa espaço.
Falo disso.
Falo do que
existe
e tudo é tanto
que nunca chega o tempo
nunca chega o
fôlego.
Vejo até à
asfixia
gente, coisas, o
invisível.
Tudo me faz
estar em permanente frêmito
sair para a rua
de noite
e andar até cair
de cansaço.
Pensando em tudo
isso
extremamente
sobreposto
como se uma
grande dor não anulasse outra
como se fosse
possível
pensar em mais
de uma coisa de uma só vez
sentindo o
simultâneo impossível
querendo
abranger
a incontrolável
voracidade dentro de tudo.
Corro por mim
fora
como um grande
atleta
campeão de
barreiras e distâncias invencíveis
tentando vencer
mas tudo é
enorme e intrincado
tudo em mim são
olhos vigilantes
sem jamais
pálpebra.
Mas tudo isso
não chega.
Tudo é enorme
e morro tão
depressa.
O vermelho por
dentro
Estão envolvidos
em corpos negros vermelhos por
dentro. Estão
num barco sobre o mar e o mar é
negro. É de
noite. O céu está negro e sobre a
água negra tudo
é vermelho por dentro.
Os corpos eram
negros
sobre o mar a
água era de noite
não se via o
vermelho por dentro
os corpos não se
viam
eram barcos com
os ventres todos negros
e as línguas
eram de águas muito rentes
A sangue não
sabia
não se via o
vermelho por dentro
o céu a água
envolvia
tudo envolvia nos
vermelhos dentros
e os mares todas
as noites estavam negros
negros por
dentro
E a água volvia
pelo céu tão negra
e à noite por
dentro do mar todo vermelho
a noite era
vermelha
e os barcos
negros por dentro
E nos corpos a
água negra era vermelha por dentro
e eles estavam
envolvidos
e
A palavra-escrita
A palavra-escrita
é um labor arcaico:
sulca enigmas
venda e desvenda
o sentido do gesto
É uma imagem detida
recolhida do mais fundo
cinema íntimo
onde o verdadeiro
é um ser invisível
O cinema do mundo está aí
onde houver ilusão
onde houver vontade de
ver
mesmo que seja só o nada
Príncipe
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me.
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me.
Esta Gente/Essa Gente
O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente
Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente
Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente
O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente
que atire fora com essa gente
Essa gente dominada por essa gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente
NENHUMA!
A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente.
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente.
“IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”
ResponderExcluirA Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. As inscrições encerram-se no dia 14 de outubro (2013). Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com
Obs (PS): O tema é livre e aberto a todos de Língua Portuguesa e Espanhola e a taxa de inscrição é de R$5,00 pode ser enviada dentro do envelope.
Favor verificar o recebimento do regulamento em pdf e jpeg. Estarei aqui para novos esclarecimentos.