Mahmud Darwish

    


Mahmud Darwish ou Mahmoud Darwich foi um dos poetas mais importantes que deram voz à causa palestina no mundo e contribuíram para a construção da identidade da poesia árabe moderna.
    Nasceu em 1941 na aldeia palestina de Al-Birweh, destruída por Israel em 1948 para a ccconstrução em seu lugar da aldeia agrícola de Ahihud.
    Depois da Catástrofe “Al-Nakba”, sua família refugiou-se no sul do Líbano por um ano, depois voltou escondida para a Palestina.
    O poeta morou na pequena aldeia de Der Al-Assad na região de Al-Jalil, em seguida ele e sua família se estabeleceram na aldeia Al Jadida, próxima a sua terra natal.
    Darwish se locomoveu por entre as aldeias de Al-Jalil para estudar o ensino médio, em seguida, viveu na cidade de Haifa onde aderiu ao Partido Comunista, então composto por judeus e árabes.
    Trabalhou no Jornal Al-Etihad e na revista Al-Jadid, que pertenciam ao partido comunista na cidade de Haifa. Neste período começou a escrever poesias e ficou conhecido na Palestina como “um poeta da resistência”. Sua poesia irritava os israelenses, por isso a polícia israelense passou a cercar qualquer aldeia que lhe organizasse uma noite de poesia.
    Darwish sofreu intensa perseguição. Foi preso três vezes pelos israelenses (1961, 1965, 1967), antes de ser submetido à prisão domiciliar devido às suas declarações e atividades políticas.
    Sua obra ao testemunhar a existência de um povo com tradições e história, negava a afirmação da Primeira-ministra de Israel, Golda Meir: “Não há nenhum povo palestino”.
    Em 1972, deixou Haifa e foi para o Egito, onde ingressou na Organização de Libertação da Palestina, e de lá se mudou para Beirute.
    Após a invasão israelense ao Líbano em 1982 e a saída de militantes palestinos do Líbano, seguiu para o Cairo, depois Tunísia e, em seguida, Paris.
    Em 1993 Darwish demitiu-se do Comitê Executivo da OLP em protesto contra o acordo de Oslo, sob a alegação de que: "não é justo (o acordo), pois não prevê o mínimo de identidade aos palestinos”.
    Nos meados da década de noventa, Mahmoud Darwish retornou à Faixa de Gaza, optando depois por permanecer em Ramallah. na Cisjordânia. Criticou os combates entre os palestinos no poema, "Você agora é outro", publicado em junho de 2007.
    Darwish obteve vários prêmios, incluindo o Prêmio Lotus, em 1969, o Prêmio do Mar Mediterrâneo, em 1980, o Troféu Revolução Palestina, em 1981, o Prêmio da Europa para a poesia, em 1981, o Prêmio Ibn Sina na União Soviética em 1982, o Prêmio Lênin, na União Soviética, em 1983, o Prêmio Príncipe Claus (Holanda), em 2004, o Prêmio Al Owais Cultural, dividido com o poeta sírio Adonis, em 2004.
    Publicou diversos livros de poesia entre eles: Carteira de identidade, Pássaros sem asas, Folhas da Azeitona, Meus amigos não morram, Apaixonado da Palestina, As aves morrem na Galileia, Elogio da sombra superior, Palco de Estado de Sitio e Você agora é outro.
    Mahmoud Darwish dedicou muitos poemas à causa palestina, a resistência e ao seu povo refugiado e injustiçado. Mesmo tendo uma vida difícil ao lado dos outros palestinos, conseguiu escrever sobre o amor, a esperança, o ser humano e a vida.    Darwish faleceu em 2008, em Houston, Estados Unidos, porém permanecerá vivo nos corações e lembranças de todos os palestinos.



















Efêmeros em palavras efêmeras

1.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
levem seus nomes e vão embora
tirem suas horas do nosso tempo e vão embora
roubem à vontade do azul do mar e das areias da lembrança
tirem fotos à vontade, e assim vão saber
que não hão de saber
como uma pedra da nossa terra constrói o teto do céu.

2.
Vocês que passam com palavras efêmeras
de vocês vem espada, de nós vem nosso sangue
de vocês vêm fogo e aço, de nós vem nossa carne
de vocês vem outro tanque, de nós vem pedra
de vocês vem a bomba de gás, de nós vem chuva.
Um mesmo céu e um mesmo ar nos cobre
peguem seu quinhão do nosso sangue, mas vão embora
entrem no jantar dançante, mas vão embora
temos que zelar pela rosa dos mártires
temos que viver como a gente quer!

3.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
como a poeira amarga, passem onde quiserem, mas
não passem entre nós como insetos com asas
temos o que fazer na nossa terra
temos trigo a criar e regar com o orvalho do nosso corpo
temos o que a vocês aqui não agrada:
temos pedra... e perdiz!
Levem o passado, se quiserem, ao mercado das quinquilharias
devolvam, se quiserem, o esqueleto do passarinho ao prato de porcelana.
Temos o que não lhes agrada: temos o futuro
temos o que fazer na nossa terra.

4.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
soquem seus dramas num buraco abandonado e vão embora
voltem atrás o ponteiro do tempo até o bezerro sagrado
ou até o disparo ritmado do revólver!
Temos o que a vocês aqui não agrada, então vão embora
temos o que por dentro vocês não têm:
uma pátria que jorra um povo que jorra uma pátria
que combina com esquecer e lembrar.
Vocês que passam com palavras efêmeras,
é hora de irem embora
de morarem onde quiserem, mas não entre nós
é hora de irem embora
de morrerem onde quiserem, mas não entre nós
temos o que fazer na nossa terra
aqui temos o passado
temos a primeira voz de vida
temos o presente, o presente e o que está por vir
temos o mundo aqui e temos a outra vida
saiam da nossa terra, do nosso deserto, do nosso mar
saiam do nosso trigo, do nosso sal, da nossa ferida
de tudo
saiam das lembranças da nossa memória,
vocês que passam com palavras efêmeras.

Tradução dos alunos de Língua Árabe do professor Michel Sleiman na USP (Universidade de São Paulo) - Alexandre Facuri Chareti, Beatriz Negreiros Gemignani, Camila Alcântara, Renata Parpolov Costa, William Diego Montecinos.















Bilhete de identidade

Toma nota!
Sou árabe
O número do meu bilhete de identidade: cinquenta mil
Número de filhos: oito
E o nono… chegará depois do verão!
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Trabalho numa pedreira com os meus companheiros de fadiga
E tenho oito filhos
O seu pedaço de pão
As suas roupas, os seus cadernos
Arranco-os dos rochedos…
E não venho mendigar à tua porta
Nem me encolho no átrio do teu palácio.
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Sou o meu nome próprio – sem apelido
Infinitamente paciente num país onde todos
Vivem sobre as brasas da raiva.
As minhas raízes…
Foram lançadas antes do nascimento do tempo
Antes da efusão do que é duradouro
Antes do cipreste e da oliveira
Antes da eclosão da erva
O meu pai… é de uma família de lavradores
Nada tem a ver com as pessoas notáveis
O meu avô era camponês – um ser
Sem valor – nem ascendência.
A minha casa, uma cabana de guarda
Feita de troncos e ramos
Eis o que eu sou – Agrada-te?
Sou o meu nome próprio – sem apelido!
Toma nota!
Sou árabe
Os meus cabelos… da cor do carvão
Os meus olhos… da cor do café
Sinais particulares:
Na cabeça uma kufia com o cordão bem apertado
E a palma da minha mão é dura como uma pedra
… esfola quem a aperta
A minha morada:
Sou de uma aldeia isolada…
Onde as ruas já não têm nomes
E todos os homens… trabalham no campo e na pedreira.
Será que ficas irritado?
Toma nota!
Sou árabe
Tu saqueaste as vinhas dos meus pais
E a terra que eu cultivava
Eu e os meus filhos
Levaste-nos tudo excepto
Estas rochas
Para a sobrevivência dos meus netos
Mas o vosso governo vai também apoderar-se delas
… ao que dizem!
… Então
Toma nota!
Ao alto da primeira página
Eu não odeio os homens
E não ataco ninguém mas
Se tiver fome
Comerei a carne de quem violou os meus direitos
Cuidado! Cuidado
Com a minha fome e com a minha raiva!
(1964)

[Tradução de Júlio de Magalhães]
















A terra nos é estreita


A terra nos é estreita. Ela nos encurrala no último desfiladeiro
E nós nos despimos dos membros
Para passar.
A terra nos espreme. Fôssemos nós o seu trigo para morrer e ressuscitar.
Fosse ela a nossa mãe para se compadecer de nós.
Fôssemos nós as imagens dos rochedos
que o nosso sonho levará como espelhos.
Vimos o rosto de quem, na derradeira defesa da alma,
o último de nós matará.
Choramos pela festa dos seus filhos e vimos o rosto
Dos que despenham nossos filhos pela janela deste último espaço.
Espelhos que a nossa estrela polirá.
Para onde irmos após a última fronteira?
Para onde voarão os pássaros após o último céu?
Onde dormirão as plantas após o último vento?
Escreveremos nossos nomes com vapor
carmim, cortaremos a mão do canto para que nossa carne o complete.
Aqui morreremos. No último desfiladeiro.
Aqui ou aqui... plantará oliveiras
Nosso sangue.

(Tradução de Paulo Farah)


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