Celan/Ingeborg Bachmann
Vai-se o domingo a nos dizer que o voo de
poetas que se amam acaba em direção contrária, pois as asas recusam-se a enlace
e permanência.
“Corona”, de Paul Celan, na tradução de Flavio Klothe “Este
falar sombrio”, da poeta austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973) ,
traduzido por Matheus Jacob Barreto para o número maio/2014 da Revista Cisma, da USP..
CORONA
Da mão o outono me
come sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:
o tempo retorna à casca.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:
o tempo retorna à casca.
No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca não mente.
no sonho se dorme,
a boca não mente.
Meu olho desce ao
sexo da amada:
olhamo-nos,
dizemo-nos o obscuro,
amamo-nos como ópio e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio sangrento da lua.
olhamo-nos,
dizemo-nos o obscuro,
amamo-nos como ópio e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio sangrento da lua.
Entrelaçados à
janela, olham-nos da rua:
já é tempo de saber!
Tempo da pedra dispor-se a florescer,
de um coração palpitar pelo inquieto,
já é tempo de saber!
Tempo da pedra dispor-se a florescer,
de um coração palpitar pelo inquieto,
É tempo do tempo
ser.. É tempo.
ESTE FALAR SOMBRIO
Ingeborg Bachmann
Qual Orfeu canto eu,
com a Lira da Vida, a Morte,
e, de dentro da beleza do mundo
e dos olhos teus que regem os céus,
só sei este falar sombrio.
Não te esqueças que também tu, de súbito,
naquela manhã - quando o teu leito
estava ainda úmido de orvalho, e o cravo
ainda aguçava o coração teu -
tu também viste o Rio das Sombras
que passava por ti.
Enquanto a Lira Silenciosa
te retesava ainda as ondas de sangue,
eu agarrei teu coração pulsante.
Transformara-se a onda dos teus cabelos
no cabelo escuro da noite,
e nevava melancolia em ti,
os flocos a te cortar o rosto.
E eu não pertenço a ti.
Queixamo-nos ambos agora.
Mas qual Orfeu sei eu
sobre a vida, da Margem da Morte,
- e ante mim escurecem
os teus olhos pra sempre fechados.
Qual Orfeu canto eu,
com a Lira da Vida, a Morte,
e, de dentro da beleza do mundo
e dos olhos teus que regem os céus,
só sei este falar sombrio.
Não te esqueças que também tu, de súbito,
naquela manhã - quando o teu leito
estava ainda úmido de orvalho, e o cravo
ainda aguçava o coração teu -
tu também viste o Rio das Sombras
que passava por ti.
Enquanto a Lira Silenciosa
te retesava ainda as ondas de sangue,
eu agarrei teu coração pulsante.
Transformara-se a onda dos teus cabelos
no cabelo escuro da noite,
e nevava melancolia em ti,
os flocos a te cortar o rosto.
E eu não pertenço a ti.
Queixamo-nos ambos agora.
Mas qual Orfeu sei eu
sobre a vida, da Margem da Morte,
- e ante mim escurecem
os teus olhos pra sempre fechados.
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