Francesca Cricelli
Poesia Brasileira do Século XXI - 3
Francesca Cricelli (1982-) é poeta, pesquisadora e tradutora.
Publicou Repátria, do qual publicamos os poemas abaixo, Carta Canta (2017, na Itália), 16 poemas + 1, em Nova Iorque (edição de autora,
2017) e em Reykjavík (Sagarana forlag, 2017). Organizou as cartas de Ungaretti
a Bruna Bianco (Mondadori, 2017) e traduziu, entre outros, Elena Ferrante
(Biblioteca Azul, 2016) e Igiaba Scego (Nós, 2018). Doutoranda em Estudos da
tradução (USP).
É UMA LONGA ESTRADA
REPATRIAR A ALMA
Há que se fazer o
silêncio
para ouvir os dedos
sobre o velho piano
da ferrovia
é uma longa estrada
repatriar a alma
a rota é na medula
descida íngreme
ou subida sem
estanque –
demolir para
construir
e não fugir do terror
sem nome
de não ser contido
apanhado,
compreendido
é preciso seguir
adiante
no fogo e sem ar
e se a dor perdurar
é preciso ser
destemido
para espelhar o rosto
em outros olhos
distantes como num
espelho.
È LUNGA LA STRADA PER
RIMPATRIARE L’ANIMA
Bisogna fare silenzio
per ascoltare le dita
sul vecchio
pianoforte della ferrovia
è lunga la strada per
rimpatriare l’anima
la via è nel midollo
una ripida discesa
o salita senza sosta
–
diroccare per
costruire
e non sfuggire al
terrore senza nome
di non essere tenuti
presi e compresi
bisogna seguire
nel fuoco e
nell’affanno
anche se il dolore
perdura
bisogna essere
intrepidi
per riposare il
proprio volto
in altri occhi
distanti come in uno
specchio.
*
* *
REMOVER DO CORPO AS
CROSTAS DO SILÊNCIO
No se puede contemplar sin pasión.
BORGES
Remover do corpo as
crostas do silêncio
tudo que é vivo e
exposto grita
e gira, pela avenida
a dor se junta ao
rumor.
Para chegar à
clarividência
procura-se um ritmo,
qualquer um,
que descompasse as
artérias –
a vida enverga sobre
a avenida
no peito só a voragem
do eterno,
a fração do abalo
sísmico,
desenha na mão
cataclismos.
RIMUOVERE DAL CORPO
LE CROSTE DEL SILENZIO
No se puede contemplar sin pasión.
BORGES
Rimuovere dal corpo
le croste del silenzio,
ciò che è vivo ed
esposto grida
e gira, lungo il
Viale
il dolore si mescola
al rumore.
Per giungere alla
chiaroveggenza
si cerca un ritmo,
uno qualunque,
che disallinei le
arterie –
sul viale la vita si
piega
nel petto solo la
voragine d’eterno,
la frazione dello
sbalzo sismico,
disegna nel palmo
cataclismi.
*
* *
MARULHADA
De tão líquida,
mulher,
de tanto mar nos
olhos,
a boca seca seca a
alma.
O coração em ondas
escorre sobre a face.
MARE MOSSO
Così liquida, donna,
così tanto mare negli
occhi,
la bocca secca
essicca l’anima.
Il cuore in onde
scorre sul viso.
*
* *
EPITÁFIO
Teach us to care and not care
Teach
us to sit still
T. S. ELIOT, Ash Wednesday
Perder
era uma morte
anunciada
uma data no
calendário do peito.
Era um oráculo a
morte
– e pensar nela –
cobria tudo com manto
negro.
Há algo na morte
como o amor.
Ainda assim,
ocorrem-me abismos,
diria Horácio.
O júbilo carregava em
si
um prenúncio,
no desenho do
sorriso,
a sombra da morte.
Fixamos nas estrelas
EPITAFFIO
Teach
us to care and not care
Teach us to sit still
T. S. ELIOT,
Ash Wednesday
Perdere
era una morte
annunciata
una data nel
calendario del petto.
Era un oracolo la
morte
– e il pensiero di
lei –
copriva tutto con
manto nero.
C’è qualcosa nella morte
che somiglia
all’amore.
Mi sovvengono
ancora gli abissi,
direbbe Horácio.
La gioia portava in
sé
un presagio,
nel disegno del
sorriso,
l’ombra della morte.
Abbiamo fissato nelle
stelle
il non ritorno.o não
retorno.
In CRICELLI,
Francesca. Repátria. Edição bilíngue. São Paulo: Demônio Negro, 2015.
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