Yehuda Amichai




Yehuda Amichai nasceu em Wurzburg, na Alemanha, em 1924. Em 1936, emigrou com a sua família para a Palestina e mais tarde, naturalizou-se como cidadão israelita. Participou na II Guerra Mundial, como soldado das brigadas semitas do exército britânico e lutou na guerra israelo-árabe de 1948. Depois da guerra estudou literatura hebraica e textos bíblicos. Foi professor do ensino secundário. Amichai publicou o seu primeiro livro de poesia, Achshav Uve-Yamim HaAharim (“Now and in Other Days”), em 1955. Escreveu onze volumes de poesia em hebraico, duas novelas e um livro de contos. A forma inovadora como utiliza a língua hebraica, influenciou a linguagem moderna em Israel. A sua obra foi traduzida para mais de trinta línguas. Morreu em Jerusalém no dia 27 de Setembro de 2000.                                                                                                                                     
                                                       
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Na história do nosso amor                                                                                                                                   

Na história de nosso amor, um foi sempre
Uma tribo nômade, outro uma nação em seu próprio solo.
Quando trocamos de lugar, tudo tinha acabado.
O tempo passará por nós, como paisagens
Passam por trás de atores parados em suas marcas
Quando se roda um filme.
As palavras
Passarão por nossos lábios, até as lágrimas
Passarão por nossos olhos.
O tempo passará
Por cada um em seu lugar.
E na geografia do resto de nossas vidas,
Quem será uma ilha e quem uma península
Ficará claro pra cada um de nós no resto de nossas vidas
Em noites de amor com outros.

Tradução de Millôr Fernandes

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A vida junto da morte
na carcaça de um carro à beira da estrada
você ouve as gotas de chuva na lata enferrujada
antes de senti-las cair na pele do rosto.
Cai a chuva, salvação depois da morte.
Ferrugem mais eterna do que sangue,
mais bonita do que cor de labaredas.
O vento que é tempo, alterna
com o vento que é lugar.
E Deus
permanece na terra como um homem que sabe
que esqueceu alguma coisa
e fica
até lembrar.
E à noite você pode ouvir
como maravilhosa melodia,
o homem e a máquina,
no seu lento caminho, do fogo rubro
para a paz negra
e daí para a história
e daí para a arqueologia,
e daí para um belo estrato de geologia.
Isso também é eternidade
como o sacrifício humano que virou
sacrifício animal e depois oração em voz alta
e depois oração dentro do peito
e afinal nem oração.

Tradução de Millôr Fernandes

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O lugar em que temos razão

         Do lugar em que temos razão
         jamais crescerão
         flores na primavera.
         O lugar em que temos razão
         está pisoteado e duro
         como um pátio.
         Mas dúvidas e amores
         escavam o mundo
         como uma toupeira, como a lavradura.
         E um sussurro será ouvido no lugar
         onde houve uma casa
         que foi destruída.

                   Tradução de Nancy Rozenchan

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Quem abandona o que ama,
lançará suas coisas pela janela
e dirá: é tudo o que eu tinha.
Àquele que abandona o que ama
ocorrerão milagres às avessas:
o vinho se tornará sangue
e o pão pedra
e o Mar Vermelho não se abrirá para uma nova vida
mas, sim, permanecerá intacto como uma lembrança
intransponível na qual se afogará.

Tradução de Carlito Azevedo.

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O corpo é a causa do amor

Primeiro o corpo é a causa do amor
depois a fortaleza que o protege
por fim seu cárcere.
E quando o corpo morre, o amor jorra
caudalosamente
como de um caça-níqueis clandestino quebrado
jorram de súbito
com estrondo
todas as moedas de gerações
e gerações entregues à própria sorte.

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