Tishani Doshi


 
                                                                                                                     

Tishani Doshi é escritora e dançarina de origem galesa-gujarense. Nasceu em Madras, na Índia, em 1975.
Traduzi sem pretensões este poema com a angústia de quem vê a cultura do estupro no Brasil tentar superar a selvageria indiana.



Há meninas saindo da mata

Há meninas saindo da mata,
envoltas em capas e capuzes,
carregam barras de ferro e velas
e uma infinidade de cicatrizes, coletadas
em acres de grama prematura e ônibus
urbanos, em templos e bares. Há meninas
saindo da mata
com calcinhas amarradas em seus lábios,
fazem tanto barulho que  é impossível
ouvi-las. O mundo também pergunta?
Na verdade ele quer saber o que significa
dar a alguém o descanso devido? Há meninas
saindo da mata, levantando
bem alto as pernas quebradas, espalhando segredos
das coxas golpeadas, todas as mentiras
sussurradas por estranhos e treinadores
de natação, e tios, especialmente tios,
que disseram que esparzir os restos  seria leve
e fácil, que colocaram balas nos peitos
e prepararam os rostos bonitos para os disparos,
que sugaram a lama limpa
e externa de suas costelas e decoraram
seus caixões com sarças. Há meninas
saindo da mata, limpam o chão
para espalhar as suas histórias. Mesmo aquelas meninas
encontradas nuas em poços e valas,
aquelas esquecidas em sótãos abandonados,
e enterradas em leitos de rios como sedimentos
de outro século. Elas escaparam
rastejando por trás das cortinas
da infância, o peso rosa-prateado
de seus corpos pressionado contra a água,
contra a nódoa triste, inextinguível
lembrança.  Há meninas saindo
da mata como os pássaros que se aproximam
de janelas pela manhã - bicando
e cantarolando, até que todos possam ouvir
o choque de seus corações minúsculos
contra o vidro, o desespero brilhante
do canto – golpear, desaparecer.
As meninas estão saindo da mata.
Estão chegando. Estão chegando.

* * *

Girls are coming out of the woods

Girls are coming out of the woods,

wrapped in cloaks and hoods,
carrying iron bars and candles
and a multitude of scars, collected
on acres of premature grass and city
buses, in temples and bars. Girls
are coming out of the woods
with panties tied around their lips,
making such a noise, it’s impossible
to hear. Is the world speaking too?
Is it really asking, What does it mean
to give someone a proper resting? Girls are
coming out of the woods, lifting
their broken legs high, leaking secrets
from unfastened thighs, all the lies
whispered by strangers and swimming
coaches, and uncles, especially uncles,
who said spreading would be light
and easy, who put bullets in their chests
and fed their pretty faces to fire,
who sucked the mud clean
off their ribs, and decorated
their coffins with brier. Girls are coming
out of the woods, clearing the ground
to scatter their stories. Even those girls
found naked in ditches and wells,
those forgotten in neglected attics,
and buried in river beds like sediments
from a different century. They’ve crawled
their way out from behind curtains
of childhood, the silver-pink weight
of their bodies pushing against water,
against the sad, feathered tarnish
of remembrance. Girls are coming out
of the woods the way birds arrive
at morning windows – pecking
and humming, until all you can hear
is the smash of their miniscule hearts
against glass, the bright desperation
of sound – bashing, disappearing.
Girls are coming out of the woods.
They’re coming. They’re coming.

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