7 poemas de Tadeusz Różewicz (1921-2014)





Tadeusz Różewicz em Radomsko, Polônia, em 1921. Escreveu prosa, teatro e poesia. Combateu a Alemanha nazi entre 1943 e 1944. No final da guerra, estudou na Faculdade de História de Arte, em Cracóvia. Segundo Fernando Presa González, seu tradutor do polaco para castelhano, Różewicz abriu caminho a “uma poesia quase desprovida de artifícios estéticos, carente de rima, de pontuação, muito pouco dada à metáfora e muito a favor de uma linguagem direta e da imagem real. (...) Marcado pela guerra, o cepticismo de Różewicz alcança uma cota tal que chega a afastar-se de valores muito enraizados na sociedade polaca como a religiosidade e o patriotismo. (...) A mentira abarca tudo, inclusive ele mesmo, que se sabe transformado, filho da guerra e do ódio, produto de um tempo sob o signo da ira e da morte.”

P O E M A S


Quem é o poeta

Poeta é aquele que escreve poemas
e aquele que não escreve poemas

poeta é aquele que arrebenta grilhões
e aquele que coloca grilhões em si próprio

poeta é aquele que crê
e aquele que não consegue crer

poeta é aquele que mentiu
e aquele que foi iludido

poeta é aquele que comeu da mão
e aquele que decepou as mãos

poeta é aquele que parte
é aquele que não consegue partir 

In “Céu Vazio: 63 Poetas Eslavos”, organização, estudo introdutório, notas biográficas e tradução Aleksandar Jovanović, São Paulo, Hucitec, 1996.


 * * *

Desde há algum tempo

Desde há alguns anos
que o processo da morte da poesia
se acelera

adverti
que os novos poemas
publicados em semanários
começam a decompor-se
ao cabo de duas ou três horas

os poetas mortos
vão-se rapidamente
os vivos
cospem
à pressa
novos livros
como se quisessem fechar o ralo
com papel

* * *

Nomeio o silêncio

Posso nomear o inominável com a palavra
posso nomear a pátria
o amor o oiro uma rosa
posso gritar ou calar
posso enunciar as cores
os mares as ilhas os pássaros os frutos.
Digo o nome de minha amada
à pátria chamo-a pelo seu nome
repito duas vezes uma palavra
chamo o inominável com o silencio.

* * *

Diane Arbus

















Conto sobre as mulheres velhas

Gosto das mulheres velhas
as mulheres feias
as más mulheres

são o sal da terra

não sentem aversão
pelo lixo humano

conhecem a outra face
de uma medalha
do amor
e da fé

vêm e vão
os ditadores endoidecem
têm as mãos manchadas
com sangue de seres humanos

as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
compram carne fruta pão
limpam cozinham
permanecem na rua com os braços
cruzados calam

as mulheres velhas
são imortais

Hamlet agita-se na rede
Fausto faz um papel vil e ridículo
Raskólnikov golpeia com um machado

as mulheres velhas são
indestrutíveis
sorriem com indulgência

deus morre
as mulheres velhas levantam-se cada dia
pela madrugada compram pão vinho peixe
morre a civilização
as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
abrem as janelas
retiram a sujidade
morre um homem
as mulheres velhas
levam os restos
enterram os mortos
plantam flores
nas tumbas

gosto de mulheres velhas
de mulheres feias
de más mulheres

crêem na vida eterna
são o sal da terra
o córtex de uma árvore
são os olhos submissos dos animais

veem na sua justa medida
a cobardia e o heroísmo
a grandeza e a insignificância
como as exigências
de um dia quotidiano
seus filhos descobrem a América
caem nas Termópilas
morrem nas cruzes
conquistam o cosmos

as mulheres velhas saem de madrugada
para a cidade compram leite pão
carne condimentam a sopa
abrem as janelas
só os idiotas se riem
das mulheres velhas
das mulheres feias
das más mulheres

porque são mulheres belas
mulheres boas
mulheres velhas
são um ovo
são um segredo
sem segredos
são uma bola que roda

as mulheres velhas
são múmias
dos gatos sagrados
são pequenos
murchos
secos
frutos mananciais
ou gordurosos
budas ovais

quando morrem
brota do olho
uma lágrima
que se une na boca
com o sorriso
de uma mulher jovem


1963

* * *

Entre tantas tarefas

Entre tantas tarefas
tão urgentes
esqueci que
também é preciso
morrer

leviano
descuidei dessa obrigação
ou só a cumpri
negligentemente

a partir de amanhã
tudo muda

começo a morrer com cuidado
com sapiência otimismo
sem perda de tempo

Tradução inédita de Marcelo Paiva de Souza.

* * *

Penetração


a morte
penetra pela vida
como a luz
por uma teia
pendendo na porta
de um quarto aberto


o moribundo mudava de posição
gritando longamente procurando
uma fuga deitava-se

a morte comia os traços
de sucessivos rostos aplicados
no osso



Tradução: Anna Kuśmierczyk e João Ferrão

* * *

A poesia nem sempre

a poesia nem sempre
adopta a forma
de um poema

depois de cinquenta anos
a escrever
a poesia
pode apresentar-se
ao poeta
na forma de uma árvore
de um pássaro
que voa
de luz

adota a forma
de uma boca
refugia-se no silêncio

ou vive no poeta
livre de forma e de conteúdo

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