ALEXEI BUENO











Alexei Bueno está entre os melhores poetas da nossa literatura contemporânea. Profundamente impregnado de uma espécie de neo-helenismo, consegue fazer, graças a um excepcional domínio das formas poética, com que essa característica não soe como uma realidade extemporânea, mero culto ao exotismo, à nostalgia ou ao passadismo. A Grécia não é, para Alexei, uma província ancorada no passado, mas um modo de olhar e sentir a realidade em que está imerso, a nossa. Não é acúmulo, tradição museológica, mas o lugar em que se produz poiesis.

No magnífico poema abaixo, a implosão mítica se constrói com as impiedosas linhas temporais. O mito/imagem/escultura/símbolo da beleza, destruído por forças que não pode dominar, é um vírus na presunção midiática, na demiurgia da clonagem, na encenação de simulacros pós-modernistas vestidos de vento e desumanidade sob formas esplendorosas, fosforescentes, da sedução visual, vírus, pois, no cerne do nosso tempo, essa esfinge jardim para os olhos e inferno para as almas (ou o que delas sobrou).

O poema abaixo foi retirado do livro 41 poetas do Rio, organizado por Moacyr Félix e publicado pela Funarte, Rio de Janeiro, em 1998, p. 57-58.


"Helena de Tróia 1", obra da série Ilíada, óleo sobre tela, de Philip Hallowell





 










HELENA


No cômodo onde Menelau vivera

Bateram. Nada. Helena estava morta.

A última aia a entrar fechou a porta,

Levavam linho, unguento, âmbar e cera.



Noventa e sete anos. Suas pernas

Eram dois secos galhos recurvados.

Seus seios até o umbigo desdobrados

Cobriam-lhe três hérnias bem externas.



Na boca sem um dente os lábios frouxos

Murchavam, ralo pelo lhe cobria

O sexo que de perto parecia

Um pergaminho antigo de tons roxos.



Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,

Compuseram seus ossos quebradiços,

Deram-lhe à boca uns rumores postiços,

Envolveram-na em faixas perfumadas.



Então chamas onívoras tragaram

A carne que cindiu tantas vontades.

Quando sua sombra idosa entrou no Hades

As sombras dos heróis todas choraram.



06/05/1992

Comentários

  1. Alxei está acima, muito acima do bom. E o trabalho de restauração de formas poéticas fixas é ato de heroísmo contemporâneo.

    Parabéns aos dois!

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