ARMÉNIO VIEIRA
O Prêmio Camões, criado em 1988 pelos governos português e brasileiro, distingue todos os anos escritores dos países lusófonos.
O poeta Arménio Vieira foi a escolha do júri deste ano para o Prêmio Camões, tornando-se assim o primeiro cabo-verdiano a ser distinguido com um dos maiores prêmios literários da língua portuguesa.
" É uma honra pessoal. Eu é que sou o autor dos livros que ganharam o prêmio, porque é atribuído à obra e não à pessoa. Acho que é uma honra para Cabo Verde. É histórico, Cabo Verde nunca tinha ganho. Desta vez lembraram-se do nosso pequeno país", declarou o poeta ao reagir ao prêmio.
Arménio Vieira manifestou também a esperança de que a sua obra passe a ser estudada em Cabo Verde e em outros países.O Prêmio Camões, criado em 1988 pelos governos português e brasileiro, distingue todos os anos escritores dos países lusófonos.
António Lobo Antunes (Portugal), João Ubaldo Ribeiro (Brasil), José Luandino Vieira (Angola) e Mia Couto (Moçambique) são alguns dos mais recentes distinguidos com o galardão.
Arménio Vieira, o primeiro cabo-verdiano a receber o Prémio Camões, nasceu na cidade da Praia, na Ilha de Santiago, a 24 de Janeiro de 1941. É escritor e jornalista (foi redator do jornal Voz di Povo), tendo publicado textos no “Boletim de Cabo Verde”, na revista portuguesa “Vértice”, “Raízes”, “Ponto & Vírgula”, “Fragmentos”, “Seló” e “Sopinha de Alfabeto”. Tem publicados quatro livros – Poemas e Mitografias (poesia) e O Eleito do Sol e No Inferno (romance) – e foi premiado em Cabo Verde em várias ocasiões, inclusive pela Associação de Escritores Cabo-verdianos.
Para Fátima Fernandes, docente de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses da Uni-CV e investigadora de literatura cabo-verdiana, "a obra de Arménio Vieira, pela diversidade em que ela se desdobra e pela complexidade com que se permite o questionar da colocação do homem no espaço universal, bem como pela representação estética que delineou o emergir de uma Literatura nova, pujante e inquiridora, representa, desde as suas primeiras manifestações, a consolidação do processo de afirmação estética e identitária cabo-verdiana".
A Universidade de Cabo Verde pretende nos próximos tempos homenagear numa cerimônia simbólica o escritor laureado, que já manifestou a sua disponibilidade para participar do ato.
BIBLIOGRAFIA:
1981 - Poemas - África Editora - Colecção Cântico Geral. - Lisboa.
1990 - O Eleito do Sol - Edição Sonacor EP - Grafedito - Praia.
1998 - Poemas (reedição) - Ilhéu Editora - Mindelo.
1999 - No Inferno - Centro Cultural Português - Praia e Mindelo.
2006 - MITOgrafias - Ilhéu Editora - Mindelo.
Todas as pinturas que ilustram os poemas são de Abraão Vicente, artista cabo-verdiano.
POEMAS
POEMA
Mar! Mar!
Mar! Mar!
Não o mar azul
De caravaelas ao largo
E marinheiros valentes
Não o mar de todos os ruídos
De ondas
Que estalam na praia
Não o mar salgado
Dos pássaros marinhos
De conchas
Areia
E algas do mar
Mar!
Raiva – angústia
De revolta contida
Mar!
Do não-repartido
E do sonho afrontado
Mar!
Quem sentiu mar?
LISBOA - 1971
A Ovídio Martins e Osvaldo Osório
.
Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.
Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela.
Em verdade éramos o gado mais pobre
d'África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.
E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber donde... ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.
Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.
E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno
SER TIGRE
O tigre ignora a liberdade do salto
é como se uma mola o compelisse a pular.
Entre o cio e a cópula
o tigre não ama.
Ele busca a fêmea
como quem procura comida.
Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.
Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.
Ele é esquivo,
não há mãos que o tomem.
Não soa,
porque não respira.
É menos que embrião
abaixo do ovo,
infra-sémen.
Não tem forma,
é quase nada, parece morto.
Porém existe,
por isso espera.
Epopéia, canção de amor,
epigrama, ode moderna, epitáfio,
Ele será
quando for tempo disso.
ISTO É QUE FAZEM DE NÓS
Isto!
E perguntam-nos:
- sois homens?
Respondemos:
- animais de capoeira.
Dizem-nos:
- bom dia.
Pensamos:
lá fora...
Isto é que fazem de nós
quando nos inquirem:
- estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
- dormimos.
CANTO FINAL FINAL OU AGONIA DUMA NOITE INFECUNDA
Como a flor cortada rente e desfolhada
ou os olhos vazados da criança
e o seu fio de pranto tênue e impotente
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez
a pesada mó triturando a sílaba
a garganta com as cordas dilaceradas
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida
Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro
tanto assim que a flor desfeita
não embala o coração do poeta
oh não
porque a flor defunta
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota
Assim o canto se detém imóvel
como se da flauta
falhando súbito
na boca do poeta
ficasse o hiato
ou a saliva
de um tempo devassado por insectos cor de cinza
A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inscrita no silêncio
com seu peso
de chumbo e olvido
acaba o poema
e um ponto final selando tudo.
ANTIPOEMA
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.
Como assim, meu caro Drummond,
se o que se segue ao sémen
são as sobras de uma laranja
cortada em dois, sendo que
uma das metades é apenas casca
lembrando a pele que as múmias
costumam ter, enquanto a parte
que teima em ficar redonda
é só a metade de uma geometria
que já foi doçura e polpa,
agora acre e assassina mais que a faca,
ao lado da qual jaz, definitivamente torpe,
já que as próprias moscas, apavoradas, fogem.
EXCENTRICIDADES GREGAS
Zenão rejeitava o óbvio
- entre o arqueiro e o alvo
o percurso da flecha é infindável,
de forma que o célere Aquiles
nunca apanha a tartaruga.
Platão era o oposto, afirmava
o improvável - a Ilíada, por
exemplo, era um mero duplicado
de um original escrito por um poeta
anterior ao nascimento
das estrelas, cujos símbolos
são a Esfera, a Luz e a Palavra.
Pitágoras era de opinião
que os números pares são demoníacos,
razão por que o três é melhor
que o seis, o cinco preferível
ao quatro e assim sucessivamente.
Nunca se deve comer feijões.
Quem o fizer corta o fio das
reincarnações, de sorte que a alma
fica prisioneira num eterno triângulo,
ou seja, entre dois catetos
e uma hipotenusa guardados por um dragão
de mil olhos e três línguas de fogo.
MALAE TENEBRAE
Never more! crocitava
o corvo Poe
aspergindo gordura
fervente e fétida
sobre os defuntos
que o chifrudo rei
dos pés-juntos
se aprestava
para transportar
ao reino onde as maçãs
nascem já podres
e os escorpiões
jamais param de crescer
para o tormento
das almas.
O poeta Arménio Vieira foi a escolha do júri deste ano para o Prêmio Camões, tornando-se assim o primeiro cabo-verdiano a ser distinguido com um dos maiores prêmios literários da língua portuguesa.
" É uma honra pessoal. Eu é que sou o autor dos livros que ganharam o prêmio, porque é atribuído à obra e não à pessoa. Acho que é uma honra para Cabo Verde. É histórico, Cabo Verde nunca tinha ganho. Desta vez lembraram-se do nosso pequeno país", declarou o poeta ao reagir ao prêmio.
Arménio Vieira manifestou também a esperança de que a sua obra passe a ser estudada em Cabo Verde e em outros países.O Prêmio Camões, criado em 1988 pelos governos português e brasileiro, distingue todos os anos escritores dos países lusófonos.
António Lobo Antunes (Portugal), João Ubaldo Ribeiro (Brasil), José Luandino Vieira (Angola) e Mia Couto (Moçambique) são alguns dos mais recentes distinguidos com o galardão.
Arménio Vieira, o primeiro cabo-verdiano a receber o Prémio Camões, nasceu na cidade da Praia, na Ilha de Santiago, a 24 de Janeiro de 1941. É escritor e jornalista (foi redator do jornal Voz di Povo), tendo publicado textos no “Boletim de Cabo Verde”, na revista portuguesa “Vértice”, “Raízes”, “Ponto & Vírgula”, “Fragmentos”, “Seló” e “Sopinha de Alfabeto”. Tem publicados quatro livros – Poemas e Mitografias (poesia) e O Eleito do Sol e No Inferno (romance) – e foi premiado em Cabo Verde em várias ocasiões, inclusive pela Associação de Escritores Cabo-verdianos.
Para Fátima Fernandes, docente de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses da Uni-CV e investigadora de literatura cabo-verdiana, "a obra de Arménio Vieira, pela diversidade em que ela se desdobra e pela complexidade com que se permite o questionar da colocação do homem no espaço universal, bem como pela representação estética que delineou o emergir de uma Literatura nova, pujante e inquiridora, representa, desde as suas primeiras manifestações, a consolidação do processo de afirmação estética e identitária cabo-verdiana".
A Universidade de Cabo Verde pretende nos próximos tempos homenagear numa cerimônia simbólica o escritor laureado, que já manifestou a sua disponibilidade para participar do ato.
BIBLIOGRAFIA:
1981 - Poemas - África Editora - Colecção Cântico Geral. - Lisboa.
1990 - O Eleito do Sol - Edição Sonacor EP - Grafedito - Praia.
1998 - Poemas (reedição) - Ilhéu Editora - Mindelo.
1999 - No Inferno - Centro Cultural Português - Praia e Mindelo.
2006 - MITOgrafias - Ilhéu Editora - Mindelo.
Todas as pinturas que ilustram os poemas são de Abraão Vicente, artista cabo-verdiano.
POEMAS
POEMA
Mar! Mar!
Mar! Mar!
Não o mar azul
De caravaelas ao largo
E marinheiros valentes
Não o mar de todos os ruídos
De ondas
Que estalam na praia
Não o mar salgado
Dos pássaros marinhos
De conchas
Areia
E algas do mar
Mar!
Raiva – angústia
De revolta contida
Mar!
Do não-repartido
E do sonho afrontado
Mar!
Quem sentiu mar?
LISBOA - 1971
A Ovídio Martins e Osvaldo Osório
.
Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.
Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela.
Em verdade éramos o gado mais pobre
d'África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.
E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber donde... ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.
Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.
E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno
SER TIGRE
O tigre ignora a liberdade do salto
é como se uma mola o compelisse a pular.
Entre o cio e a cópula
o tigre não ama.
Ele busca a fêmea
como quem procura comida.
Sem tempo na alma,
é no presente que o tigre existe.
Nenhuma voz lhe fala da morte.
O tigre, já velho, dorme e passa.
Ele é esquivo,
não há mãos que o tomem.
Não soa,
porque não respira.
É menos que embrião
abaixo do ovo,
infra-sémen.
Não tem forma,
é quase nada, parece morto.
Porém existe,
por isso espera.
Epopéia, canção de amor,
epigrama, ode moderna, epitáfio,
Ele será
quando for tempo disso.
ISTO É QUE FAZEM DE NÓS
Isto!
E perguntam-nos:
- sois homens?
Respondemos:
- animais de capoeira.
Dizem-nos:
- bom dia.
Pensamos:
lá fora...
Isto é que fazem de nós
quando nos inquirem:
- estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
- dormimos.
CANTO FINAL FINAL OU AGONIA DUMA NOITE INFECUNDA
Como a flor cortada rente e desfolhada
ou os olhos vazados da criança
e o seu fio de pranto tênue e impotente
assim a noite caminha com os astros todos em vertigem
até que se atinge o ponto da mudez
a pesada mó triturando a sílaba
a garganta com as cordas dilaceradas
e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida
Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro
tanto assim que a flor desfeita
não embala o coração do poeta
oh não
porque a flor defunta
se voa
não sobe nunca
e só dura
o espaço breve duma nota
Assim o canto se detém imóvel
como se da flauta
falhando súbito
na boca do poeta
ficasse o hiato
ou a saliva
de um tempo devassado por insectos cor de cinza
A voz suspensa e negada
cede a vez à letra amorfa
inscrita no silêncio
com seu peso
de chumbo e olvido
acaba o poema
e um ponto final selando tudo.
ANTIPOEMA
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.
Como assim, meu caro Drummond,
se o que se segue ao sémen
são as sobras de uma laranja
cortada em dois, sendo que
uma das metades é apenas casca
lembrando a pele que as múmias
costumam ter, enquanto a parte
que teima em ficar redonda
é só a metade de uma geometria
que já foi doçura e polpa,
agora acre e assassina mais que a faca,
ao lado da qual jaz, definitivamente torpe,
já que as próprias moscas, apavoradas, fogem.
EXCENTRICIDADES GREGAS
Zenão rejeitava o óbvio
- entre o arqueiro e o alvo
o percurso da flecha é infindável,
de forma que o célere Aquiles
nunca apanha a tartaruga.
Platão era o oposto, afirmava
o improvável - a Ilíada, por
exemplo, era um mero duplicado
de um original escrito por um poeta
anterior ao nascimento
das estrelas, cujos símbolos
são a Esfera, a Luz e a Palavra.
Pitágoras era de opinião
que os números pares são demoníacos,
razão por que o três é melhor
que o seis, o cinco preferível
ao quatro e assim sucessivamente.
Nunca se deve comer feijões.
Quem o fizer corta o fio das
reincarnações, de sorte que a alma
fica prisioneira num eterno triângulo,
ou seja, entre dois catetos
e uma hipotenusa guardados por um dragão
de mil olhos e três línguas de fogo.
MALAE TENEBRAE
Never more! crocitava
o corvo Poe
aspergindo gordura
fervente e fétida
sobre os defuntos
que o chifrudo rei
dos pés-juntos
se aprestava
para transportar
ao reino onde as maçãs
nascem já podres
e os escorpiões
jamais param de crescer
para o tormento
das almas.
¿De quien es el arte? digo las imágenes?
ResponderExcluirSaludos
Hola, EV.
ResponderExcluirLas imágenes que acompañan los poemas son del pintor Abraão Vicente, que también nació en Cabo Verde como el poeta Armênio Vieira.
Saludos,
Zantonc
Merecido premio,
ResponderExcluirmaravilhosas imagens
e poemas abrangentes.
Simbolo de todo o poeta:
" esfera, luz e a palavra"
...o mundo que nos rodeia,
a luz feita de encantos
e a palavra que pode ser mel ou fel"
adorei!
Bjs
Belíssimos Poemas, Poeta, Arménio Vieiras. Prémio merecido.
ResponderExcluirUm abraço, Amigo