PASOLINI

Agonia, de Manabu Mabe



























AS CINZAS DE GRAMSCI


Pier Paolo Pasolini


IV



O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;

traidor da condição paterrna
- em pensamento, numa sombra de acção –
a ela me liguei no ardor

dos instintos, da paixão estética;
fascinado por uma vida proletária
muito anterior a ti, a minha religião

é a sua alegria, não a sua luta
de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária

do homem, que na acção se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada

sei dizer, a não ser o que seria
justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia…

Pobre como os pobres, agarro-me
como eles a esperanças humilhantes,
como eles, para viver me bato

dia a dia. Mas na minha desoladora
condição de deserdado,
possuo a mais exaltante

das poses burguesas, o bem mais absoluto.
Todavia, se possuo a história,
também a história me possui e me ilumina:

mas de que serve a luz?




In: Pier Paolo Pasolini. Poemas. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Assírio &; Alvim,

2005.


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