MANUEL ANTÓNIO PINA



 O ganhador do Prêmio Camões 2011, considerado o mais importante em língua portuguesa, foi Manuel António Pina. O autor tem 67 anos e goza de grande prestígio entre a crítica portuguesa por seu trabalho de cronista, poeta e tradutor.  A sua obra, “acessível e ao mesmo tempo de grande complexidade”, nas palavras do jurado português Abel Baptista, pesquisador especializado nas literaturas brasileira e portuguesa, é composta por mais de 40 títulos, muitos correspondentes a obras infantis utilizadas em escolas. Alguns dos seus livros foram adaptados ao teatro e inspiraram programas de televisão. 

António Pina já tinha sido premiado anteriormente, dentro e fora de Portugal. A sua obra já foi traduzida para o inglês, alemão, espanhol, holandês e russo. 

Manuel António Pina nasceu em Sabugal, Beira Alta, em 18 de Novembro de 1943. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. É jornalista do Jornal de Notícias desde 1971, tendo colaborado noutros órgãos de comunicação social da imprensa, do rádio e da televisão. Ganhou vários prêmios, de que se destacam o Prêmio Calouste Gulbenkian - Melhor Livro Publicado em Portugal em 1986/1987 com a obra O Inventão, e o Prêmio Nacional de Crônica Press Club/Clube de Jornalistas com a obra O Anacronista (1994).

Foi por unânimidade que o escritor português Manuel António Pina ganhou o Prêmio Camões, a maior premiação literária de língua portuguesa. Os jurados se reuniram na manhã desta quinta-feira (12-05-2011)  na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e chegaram rapidamente a uma decisão, consagrando Pina como o vencedor da 23ª edição do prêmio, no valor de 100 mil euros. No ano passado, a láurea foi para o brasileiro Ferreira Gullar. 

O júri foi formado por dois portugueses - a ensaísta e poetisa Rosa Martelo e o ensaísta e professor de literatura brasileira Abel Barros Baptista -, dois brasileiros -o poeta Antônio Carlos Secchim e a romancista Edla Van Steen - e ainda dois representantes dos países africanos de língua portuguesa - a poetisa e ficcionista angolana Ana Paula Tavares e a ensaísta são-tomense Inocência Mata. 

"É a coisa mais inesperada que poderia esperar. Nem sabia que estava hoje a ser discutida a atribuição do prêmio", disse Manuel António Pina ao jornal português "Público". 

Obras: Poesia: Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo Calma é Apenas um Pouco Tarde (1974); Aquele que Quer Morrer (1978); A Lâmpada do Quarto? A Criança? (1981); Nenhum Sítio (1984); O Caminho de Casa (1988); Um Sítio onde Pousar a Cabeça (1991); Algo Parecido com Isto da Mesma Substância (Poesia Reunida, 1974/1992) (1992); Farewell Happy Fields (1993); Cuidados Intensivos (1994). Ensaio – O Anacronista (1994).

Obras de literatura infanto-juvenil: O País de Pernas parra o ar (1973); Gigões & Anantes (1974); O Têpluquê (1976); O Pássaro da Cabeça (1983); Os Dois Ladrões (1983); História com Reis, Rainhas, Bobos e Galinhas (1984); A Guerra do Tabuleiro de Xadrez (1985); Os Piratas (1986); O Inventão (1987); O Tesouro (1993); O Meu Rio é de Ouro / Mi Río es de Oro (ed. bilingue, 1995); O Livro de Desmatemática (1997).

Poeta ainda pouco divulgado no Brasil, espero que o conjunto de poemas abaixo contribua para levar alguém a procurar os livros de Pina.





POEMAS
  
Agora É

Agora é diferente
Tenho o teu nome o teu cheiro
A minha roupa de repente
ficou com o teu cheiro

Agora estamos misturados
No meio de nós já não cabe o amor
Já não arranjamos
lugar para o amor

Já não arranjamos vagar
para o amor agora
isto vai devagar
isto agora demora


Esplanada

Naquele tempo falavas muito de perfeição
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu , eu e a discussão.

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu .
Agora as tuas pernas são coisas inúteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.



Completas

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


Mark Rothko


























A um Jovem Poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.



Mark Rothko
































A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?»    E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —


Atropelamento e Fuga 

Era preciso mais do que silêncio,
era preciso pelo menos uma grande gritaria,
uma crise de nervos, um incêndio,
portas a bater, correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas primeiro tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas, eram 3 da tarde,
já não me lembro de que dia, talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal, tinha deixado
as chaves na fechadura do lado de dentro da porta,
e agora ali estavas tu, morta(morta como se
estivesses morta!),olhando-me em silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto! 

Mark Rothko






























Aos Filhos

Já nada nos pertence,
nem a nossa miséria.
O que vos deixaremos
a vós o roubaremos.

Toda a vida estivemos
sentados sobre a morte,
sobre a nossa própria morte!
Agora como morreremos?

Estes são tempos de
que não ficará memória,
alguma glória teríamos
fôssemos ao menos infames.

Comprámos e não pagámos,
faltámos a encontros:
nem sequer quando errámos
fizemos grande coisa!


Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.


A um Homem do Passado

 Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?

Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.

Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.


 


Não o Sonho
 
Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.


Mark Rothko































O Resto é Silêncio ( Que Resto?)

Volto, pois, a casa. Mas a casa,
a existência, não são coisas que li?
E o que encontrarei
se não o que deixo: palavras?

Eu, isto é, palavras falando,
e falando me perdendo
entre estando e sendo.
Alguma vez, quando

havia começo
e não inércia,
quando era cedo
e não parecia,

as minhas palavras puderam estar
onde sempre estiveram:
no apavorado lugar
onde sou silêncio.


O que é dito

Alguma coisa em algum lugar
de que o que existe de o que não existe
é isto que escreve e a ciência de isto
a pura voz sem sujeito e o fora de ela.

Esta mão é um acontecimento improbabilíssimo
que o infinito e a eternidade atravessam,
alguma coisa fala de si própria através de ela.
De que pode ela falar senão de tudo?

O que está dentro e o que está fora
e vê e é visto de toda a parte
é o mesmo e o outro
e tudo isto é sabido em mim.




A ferida

Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?



Mark Rothko



 






















O livro

E quando chegares à dura
pedra de mármore não digas: «Água, água!»,
porque se encontraste o que procuravas
perdeste-o e não começou ainda a tua procura;
e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras
pois é tudo o que tens: literatura,
nem sequer mistério, nem sequer sentido,
apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.



Não tenhas contra ele o coração endurecido,
aquilo que podes saber está noutro sítio.
O que o livro diz é não dito,
como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.




Comentários