Dois poemas de Nauro Machado (1935-2015)























O Parto


Meu corpo está completo, o homem - não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.



Metamorfose inicial

Me crio em nova forma. Não
a que em quartos, corpos
gastos sofrem, tão sós,
pastos vis de um mútuo asco
solitários. Bem os sei também
distendidos, parto enfim
da morte, não a própria
(dificílima),
mas suja e dividida
com outrem. Me crio em nova
forma. Uma, incessante, dia meu, —
árduo, que sobre o piso a
comida de ontem jaz. Sabe a
tarde, loucura, carne ou
legume? No banho seu odor
me penetra — sabre.  Foi e
já não é, coube e já não
cabe: cai, ressequida, lúcido
ódio! Me crio em nova
forma. Não esta, mas outra
maior, dia meu, mais árduo,
onde meus ócios secam,
apodrecidos, no tédio
das palavras.


Comentários

  1. Ao lado de Ferreira Gullar e Gonçalves Dias, Nauro compõe a trinca dos maiores poetas da literatura maranhense.

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