Zbigniew Herbert (1924-1998)

Zbigniew Herbert em foto de 1955













A noite desta quinta-feira fica mais densa com um grande poema de Zbigniew Herbert. A tradução é de Rogério Bettoni (encontrei-a aqui) que afirma ter realizado um cotejo cuidadoso do original em polonês com a tradução inglesa de Czeslaw Milosz e a espanhola de Xavier Farré.

Estudo do objeto

1
o mais belo
é o objeto que não existe
ele não serve para carregar água
nem para preservar as cinzas de um herói
não foi acalentado por Antígona
nem nele um rato se afogou
de orifício, nenhum resquício
pois é completamente aberto
visto
de todos os lados,
quase não é
antevisto
os feixes de todas as suas linhas
confluem num jato de luz
nem
cegueira
nem
morte
podem roubar o objeto que não existe

2
marque o lugar onde ficava
o objeto
que não existe
com um quadrado negro
ele será
um mero réquiem pela bela ausência
vigoroso lamento
aprisionado
num quadrilátero

3
agora
todo o espaço
dilata-se como um oceano
um furacão fustiga
o veleiro negro
a asa de uma nevasca
circunda o quadrado negro
e a ilha submerge
sob a disseminação salina

4
o que se tem agora
é espaço vazio
mais belo que o objeto
mais belo que o lugar que ele deixa
é o antemundo
um paraíso branco
de possibilidades
lá você pode entrar
gritar
vertical-horizontal
relâmpagos perpendiculares
golpeiam o horizonte nu
podemos parar aqui
de todo modo você já criou o mundo

5
oriente-se
pelo olho interior
não se renda
a murmúrios sussurros estalidos
é o mundo não criado
impresso nos portões da paisagem
anjos ofertam
chumaços rosados das nuvens
por toda parte árvores implantam
filamentos verdes desalinhados
reis celebram a púrpura
e comandam trompetistas
auricolores
até a baleia pede um retrato
oriente-se pelo olho interior
nada aceite além

6
extraia
da sombra do objeto
que não existe
do espaço polar
das inflexíveis quimeras do olho interior
uma cadeira
bela e inútil
como uma catedral no deserto
ponha sobre a cadeira
uma toalha de mesa amarrotada
adicione à ideia de ordem
a ideia de aventura
que seja uma confissão de fé
diante do vertical em combate com o horizontal
que seja
mais silenciosa que anjos
mais orgulhosa que reis
mais verdadeira que uma baleia
que tenha a face das últimas coisas
pedimos que a cadeira desvele
as dimensões do olho interior
a íris da necessidade
a pupila da morte


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