Bruna Mitrano
Poesia Brasileira do século XXI - 1
Bruna Mitrano (1985), autora de Não (Editora Patuá, 2016), nasceu e
vive na periferia do Rio de Janeiro. É professora da rede pública e mestre em
literatura portuguesa pela UERJ. Filha de camelôs, leu o primeiro livro de
poesia aos dezessete anos. Em 2010, esteve entre os vencedores do prêmio
Off-Flip. Publicou no jornal Plástico Bolha, na revista Mallarmargens, na
revista Germina, no Flanzine (Portugal), na revista Tlön (Portugal), dentre
outros. Teve textos traduzidos para o inglês no projeto Contemporary Brazilian
Short Stories (Califórnia). Participou das antologias Algum vazio nesta paz fajuta (ed. Edital) e Clube da Leitura Vol. III (ed.
Oito e meio). Com a exposição itinerante Dor, percorre espaços estigmatizados da cidade. Não é seu livro de estreia.
(Informações retiradas do site da Editora Patuá).
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poemas
Ilustração de Bruna Mitrano |
*
* *
gestação infinita
o filho podre a filha
cerca viva
meu útero arregaçado
expelindo medo em sangue
porque é meu horror
que gero –
sei me ferir.
*
* *
tem espinhos na
língua.
o encontro é quando
lambe o racho da minha sola.
até que o primeiro
lapso nos levante às pressas –
ensacamos entulhos
com sutilezas de rancor.
nada que despossuímos
sobrevive ao que gestamos.
é nesse escuro lúcido
que soldamos as carnes?
sim, estaremos sempre
sozinhos –
guardo nossos
segredos com muitas mãos,
seu sangue seco nas
minhas coxas.
*
* *
eu
deitada em desmanche e você de pé, distante, cabeça cur-
vada
triplicando o queixo, um embaço e eu não reconhe-
ceria,
não fossem as pernas abertas, os pés roçando meu
quadril,
seu pau ao centro tomando proporções desmesura-
das,
um pau maior que o corpo, maior que eu, que sangro e
sangro
muito, e meu sangue é vivo porque é sangue de quem
se
aborta, é sangue de quem implodiu e é arrancada a fór-
ceps,
eu que por precaução não desvio os olhos do seu pau,
um
deus que impele a ser tocado com terror mas, se não me
restam mãos, olho, você se masturba com ódio
de si, eu que-
ro
fechar os olhos pra não amar o seu ódio de si, consegue
enxergar meu asco
agora? sua cara de domingo cozinhando
arroz integral, se eu
dissesse que existir tem sido insuportá-
vel, me mataria? você
diz que foram minhas somente mi-
nhas alucinações, mas
já não acredito na verdade do seu cor-
po e por isso não
deixo de te olhar com olhos enormes, apa-
vorados, olhos que
não posso fechar, olhões você disse tão
grandes, menores que esse medo que arrebenta a
carne em
gritos, gritos que não chegarão até você, de
pé, distante, co-
mo um deus ou
tormenta.
*
* *
gargalhou outra vez
sem motivo.
tivesse língua,
lamberia o bico da 38
spl carregada,
pra deixá-la ainda
mais aguda,
a noite.
ela,
morreria já a essa
hora?
danço.
In MITRANO, Bruna. Não. São Paulo: Patuá, 2016.
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