Claudia Roquette-Pinto




Quarta-feira estranha, entre cal e penumbra, toda se afunda na poesia de Claudia Roquette-Pinto, poeta navegante de águas com tonalidades Georg Trakl, Hölderlin e Paul Celan. Mas a autora consegue leveza entre sombras, esboça um contorno de ausências sem tragédia, algo impalpável fica pulsando nos olhos de quem busca a cadeira onde só o inominável tem assento. Impecável.


Cadeira em mykonos

I

nela não se auréola nem é falsa
a ideia, que dela se alça,
como o fogo da lenha
um grego, aliás, quem a
aprisionou, como a um inseto
sobre a camurça-conceito:
na língua, terceiro objeto,
menos cadeira, se a escrevo
tampouco devo (se a quero)
nos arrabaldes das sílabas
buscar madeira de mobília
preciso (para que a tenha)
adestrar-me ao negativo,
ao branco contíguo
da parede, hauri-la
como figura: literal
(modo-de-éden) nua
entre lençóis de cal

II

Ícaro sem penas
Noiva muda em cendais de secagem rápida
Quadrúpede engendrado para solidões


In Zona de sombra. Rio de Janeiro: 7Letras, 1997

Comentários