Marco Lucchesi
Poesia Brasileira do Século XXI - 4
Poeta, escritor, romancista, ensaísta e tradutor, Marco Lucchesi é o atual presidente da Academia Brasileira de Letras. Os poemas abaixo foram retirados do livro Clio.
Índias
As praias livres de
Coromandel.
E de repente
Começo a perder-me no
golfo sinuoso
de teus seios, Déli:
sublime / selvagem.
Sob este céu azul da
Prússia
como terra molhada
pela chuva
eu bebo tua férvida
nudez.
* * *
Hotel
Adis Abeba
Um animal feroz e
arredio: um fiat vermelho, de altivos faróis,
tração nas quatro
rodas, a cuspir centelhas. Devora
as palmas da glória
olhos de lince/ dentes
frementes.
Pérfida flor, que se
despenha
incisiva, em queda
impressiva.
Chego ao Adis Abeba:
bordel de putas
inquietas, que bebem, sôfregas, taças de fel.
A história é uma esfinge
a erguer atrás do sol
as velhas pálpebras.
Sou um cliente sombrio /
outonal.
Quanto te devo, pérfida
Clio?
* * *
Cartago
A insônia e seus
resquícios:
soníferos, migalhas
Desabam os fenícios
os sonhos e muralhas
* * *
Tigrina
a noite escura
das origens
tecida em amárico
ou tigrina
a língua de babel
:
e
a cada
pedra
o fervor
das palavras
* * *
Dissoluto
Ruge a fera impura no
fosso dos milênios,
muge ríspida e escura na
trompa dos séculos.
Um copo de licor
Preste João – com seu rumor de áspide rubra
Dissoluto licor /
dissolvente:
a poesia é o mar vermelho do real
afoga-se quem busca a promissão
* * *
GPS
essa angústia
de não
saber
me
onde
me
sei
In LUCCHESI, Marco. Clio. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
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