Marcos Siscar
Poesia Brasileira do Século XXI - 05
Marcos Siscar é poeta, tradutor e ensaísta. Publicou, entre
outros, os livros de poesia Metade
da Arte (2003), O Roubo do
Silêncio (2006), Interior
via Satélite (2010), do qual extraímos os cinco poemas abaixo, Cadê uma Coisa (2012) e Manual de flutuação para amadores (2015).
Tem livros traduzidos e publicados na Argentina, na França e na Espanha.
Participa de antologias nacionais e internacionais (Argentina, EUA, Portugal,
França, Espanha, Bélgica, Alemanha, Hungria). Traduziu autores como Michel
Deguy e Jacques Roubaud. É professor do Departamento de Teoria Literária da
Unicamp, tendo publicado, entre outros, Poesia e Crise (2010) e Jacques Derrida : literatura, política e tradução (2013)
A Vênus da mensagem
a caminho de mercúrio a espaçonave messenger
sobrevoa a superfície venusiana. que mensagem
levará às margens da consumação pelo sol? o sol
é o que está distante. miramos o distante o sol
exterior a pira cinerária da distância. e nesse
trajeto
em que a mensagem se perde. ei-las as galáxias
chave do adiamento em que nos vemos. o aqui e agora
obsoletos há milhares de anos-luz em túmulo cósmico.
o que não está lá é o que aqui nos mantém unidos.
é sua imagem que nos relaciona e aproxima. vácuo
partilhado nosso sol mais próximo essa terra interior.
A vida sem anti-spam
emagreça dormindo e sem dieta. pare de fumar
fumando. veja como é fácil. elimine o mau hálito.
impotência nunca mais. aumente seu p. seduza
com 75% a mais
de eficiência. 25% de desconto
100% jesus. tem
alguém traindo você. veja como
é fácil. fale inglês sonhando. seu dinheiro de volta.
sem juros. tudo 12 vezes em segundos livros cremes
viagens a cabo. nada de amadoras. venha paixão
é tão fácil gostar de gostar de coisa e tal. não tenha
medo.
cobrimos a concorrência cu de Midas onde a vida
entra a dedo
Pietà
se quisesse piedade pediria. se soubesse ferir
tentaria. o remédio é mais
amargo. que me ame pelo que me atribui. pelos ódios da
sua dor.
é claro que tento traí-lo. quem amaria um homem
sincero? se ousasse eu
o tomaria sobre os joelhos. arrancaria seu coração
distante. comeria seu
coração azul.
sou sua ficção. seu narcisismo partido. seu número ímpar.
sei que pioro as coisas. sinto por isso. se não
sentisse diria. acredite. minha intimidade é o nosso carrapicho.
Modo de usar
folheio o jornal. a notícia me sufoca. não existe
saída. ou melhor a porta
da saída está no interior. minha órbita
nos relança.
você não quer
me traduzir. e assim já me traduziu. quem não quer
traduzir é o tomógrafo. o tomógrafo de akhénaton quer
mapear civilizar
interiorizar o exterior. o segredo passado a limpo. a
realidade higiênica.
o poema higiênico.
deixemos o tomógrafo e o jornal. não quero perder
você. e que todos
saibam sem saber. quero que se percam em você não é
surpreendente?
o fora muda de lugar. estamos fechados. mãos de
pedinte passam pelo
vidro. são medusas do que não se diz. o que exatamente
não se diz? você
me deixa perplexo.
viro a página
A poesia que queremos
a poesia não precisa de grandes ilusões. de ilusões.
a poesia não precisa de biodiversidade, de qualidade
média.
de grandes espaços de pequenas coisas. não precisa de
critérios. a poesia
não precisa de alternativas de engenheiros de cisma de
soluções.
de retorno nem de esperança.
não é fácil dizer o que é um poema. mas só o poema faz
falta.
In SISCAR, Marcos. Interior via satélite. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2010.
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