Noémia de Sousa
"Noémia nasceu em
1926, e viveu por bastante tempo na capital de Moçambique, que na época ainda
não era Maputo. Ela viveu a revolução, foi um de seus expoentes, e gravou na
história do mundo o que aconteceu em forma de poesia. Moçambique – e a África
como um todo – é um personagem de seus versos, que se constroem em cima de
dicotomias de “nós” versus “os outros”. “Nós” são os africanos, e “outros” os
colonizadores, e seus poemas se desenrolam em denúncias contra esse povo
intruso e em exaltação do povo negro.
Noémia é totalmente
#BlackIsBeauty, Beyoncé e Nina Simone. E a comparação não cai
ao acaso: sua poesia é viva. Não nasceu para ser lida em silêncio na intimidade
da casa, para ser dissecada por acadêmicos que não pegam sol há diversos dias,
para ser marinada em solidão. Sua poesia é viva e, tal qual no caso das
cantoras, precisa ser performada. São versos criados para serem gritados,
chorados, sentidos, muito mais do que pensados."
Fragmento de texto de
Clarissa Wolff publicado na Revista Carta Capital, dez – 2017.
Súplica
Tirem-nos tudo,
mas deixem-nos a
música!
Tirem-nos a terra em
que nascemos,
onde crescemos
e onde descobrimos
pela primeira vez
que o mundo é assim:
um labirinto de
xadrez…
Tirem-nos a luz do
sol que nos aquece,
a tua lírica de
xingombela
nas noites mulatas
da selva moçambicana
(essa lua que nos
semeou no coração
a poesia que
encontramos na vida)
tirem-nos a
palhota ̶ humilde cubata
onde vivemos e
amamos,
tirem-nos a machamba
que nos dá o pão,
tirem-nos o calor de
lume
(que nos é quase tudo)
̶ mas não nos
tirem a música!
Podem desterrar-nos,
levar-nos
para longes terras,
vender-nos como
mercadoria,
acorrentar-nos
à terra, do sol à lua
e da lua ao sol,
mas seremos sempre
livres
se nos deixarem a
música!
Que onde estiver
nossa canção
mesmo escravos,
senhores seremos;
e mesmo mortos,
viveremos.
E no nosso
lamento escravo
estará a terra onde
nascemos,
a luz do nosso sol,
a lua dos
xingombelas,
o calor do lume,
a palhota onde
vivemos,
a machamba que nos dá
o pão!
E tudo será
novamente nosso,
ainda que cadeias nos
pés
e azorrague no dorso…
E o nosso queixume
será uma libertação
derramada em nosso
canto!
̶ Por isso
pedimos,
de joelhos pedimos:
Tirem-nos tudo…
mas não nos tirem a
vida,
não nos levem a
música!
Vocabulário
cubata : choupana
machamba : terreno agrícola para
produção familia
xingombela: dança dos namorados; dança da lua nova
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