Adelaide Ivánova
Poesia Brasileira do Século XXI - 10
Adelaide Ivánova nasceu em 1982 na cidade de Recife.
Jornalista, poeta, tradutora e fotógrafa, seu trabalho percorre o mundo em
publicações impressas e digitais como i-D (UK), Colors (Itália), Te Hufngton
Post (EUA), Modo de Usar & Co. (Brasil), Suplemento Pernambuco (Brasil)
entre outras. "O Martelo" é seu terceiro livro de poemas.
o
broche
a mulher de burca
entrou no metrô
atrás do marido
a mulher de burca
precisou apenas
chegar para ser
espetacular
a mulher de burca
me espanta me espanta
que se estabeleça
que uma mulher
deva usar a burca.
*
tentei decorar
um poema para
a mulher de burca
que me veio à mente
enquanto tentava
não observá-la
essa é afinal
a função da burca
e como ela deve
ser considerada
a burca tornou-se
maior que a mulher.
*
acontecem muitas
coisas no metrô
acontecem muitas
coisas na Alemanha
mas ninguém se olha
nem na alemanha
e nem no metrô
pra mulher de burca
todo mundo olhou
mas ninguém a viu
ninguém julga ter
algo a ver com isso.
*
a mulher de burca
estragou meu sono
estragou meu sono
o brochinho azul
feito de miçangas
ostentado pela
burca da mulher
terrível enfeite
revolução muda
da mulher na burca.
*
embaixo da burca
há uma mulher.
*
eu sinto mais medo
de um deus misógino
que da lei que diz
à mulher a burca
quer dizer não sei
sempre haverá broches
de miçanga azul.
o ministro
pudessem os homens
brancos em bruxelas
e thomas de maizière
ouvir este meu poema
estaria resolvida o
problema das fronteiras
veja bem sr. ministro
em minha cama não se
pede visto játroquei
lençóis e fronhas
sujos de sêmen made in
espanha hungria
áustria zimbábue iraque
alemanha fazemos a
alegria uns dos outros
e diga-me sr.
ministro
se não fôssemos
nós quem mais a faria? e quem
faria o crescimento
dos seus índices demográficos?
segundo fatou diome
deste somos
40% responsáveis diga
mesmo sr. ministro
sem nós expatriados
de onde viriam tantas delícias
as teses os ensaios a
vida as baladas os bares e os
quadros com os quais
lucram vossos museus
de onde viriam os
livros premiados com os quais
lucram ou lucravam
suas poeirentas livrarias?
haveria para pasolini
este homem europeu um futuro
mais duradouro
tivesse pasolini se refugiado?
talvez fosse morto na
síria na líbia ou na casa
de caralho menos por
ser refugee e mais por ser
viado (sim outro
grande problema mas esse não é
hoje o foco do poema)
jádeitei em futons tapetes
colchões e carpetes
de toda sorte de gente inclusive
os de budapeste os
mais cabrões atualmente
(os jogadores de golf
de melilla não são menos sinistros)
o segredo sr.
ministro
deixa eu explicar
éabrir fronteiras e coração sermos
bons como lou
saloméque fez a caridade de comer
nietzsche e para o
próprio deleite ainda deu pra rée e (dizem)
rilke sermos bons com
quem vier não importando a cor
do passaporte nem do
sujeito apenas dando muito seja lá
do quê– um visto um
teto um trabalho um hallo um meio
de transporte mais
seguro e ventilado que um caminhão
um destino mais
humano que o injusto e raso para onde
eu vocêe petra
laszlo mandamos o pai em fuga e seu filho
(o chão).
o
divórcio
apenas observando
você deixar passar
os anos
sem assinar
o email.
“vim devolver o homem
assino onde”.
apenas observando
você deixar passar
os homens
mas com papel
assinado.
vim devolver os anos
volto pra onde?
apenas observando
você deixar passar
o contrato
sem cumprir
seu papel.
vim devolver a cidade
volto pro homem.
apenas observando
você deixar
a cidade
sem assinar
o homem.
vim inverter os
papeis
e não volto.
In IVÁNOVA,
Adelaide. Martelo. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Edições Garupa, 2017.
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