Alice Sant’Anna
Poesia Brasileira do Século XXI - 11
Alice Sant’Anna
nasceu no Rio de Janeiro em 1988. Publicou os livros de poesia Dobradura (7Letras, 2008), Rabo de baleia (Cosacnaify, 2013)
e Pé do ouvido (Companhia Das Letras, 2016), além das plaquetes Pra não ficar na gaveta e Bichinhos de luz, e de Pingue-Pongue (2012), edição
independente impressa em serigrafia, em parceria com Armando Freitas Filho.
Trabalha como editora na Companhia Das Letras.
Os três poemas selecionados
fazem parte do livro Rabo de baleia.
*
* *
UM ENORME RABO DE
BALEIA
cruzaria a sala neste
momento
sem barulho algum o
bicho
afundaria nas tábuas
corridas
e sumiria sem que
percebêssemos
no sofá a falta de
assunto
o que eu queria mas
não te conto
era abraçar a baleia
mergulhar com ela
sinto um tédio
pavoroso desses dias
de água parada
acumulando mosquito
apesar da agitação
dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega
exausto em casa
com a mão esticada em
busca
de um copo d’água
a urgência de seguir
para uma terça
ou quarta boia, e a
vontade
é de abraçar um
enorme
rabo de baleia seguir
com ela
*
* *
ABRO O ENVELOPE
e espero praias
grandes paisagens
sua letra miúda
contando coqueiros
a data à caneta
marcando meses anos
que não nos vemos.
mas o envelope
branco e frágil
traz estrela cadente
na borda
anéis de saturno onde
você talvez esteja
um homem-palito
astronauta
boiando num céu
estrelado. você talvez
tenha desenhado numa
noite de lua
nunca vou saber
onde foi que gravou
esse sofá amarelo,
essa porta de geladeira
numa cozinha de pedra
são tomé
uma cadeira sobre
fundo
de azulejos verdes.
me pergunto
se diante de tantas
paisagens
por que você só me
mostra
os cantos das casas
por onde passou
nenhuma janela aberta
nenhuma amostra
se faz sol ou chuva
se aí também amanhece
*
* *
meu
assassino
hoje encontrei meu
assassino
dispersa, olhei
para a plateia e lá
estava ele
os olhos fixos em mim
soube na mesma hora
de quem se tratava
tentei disfarçar a
chuva que deixou a franja
bagunçada na frente
dos olhos
mas o assassino me
olhava
e eu revidava: era um
jogo
sabia que a qualquer
respiração
se eu me
desconcentrasse ou se tropeçasse
ele não perdoaria
nunca (isso já aconteceu antes)
a diferença é que
agora sei
como ele se chama sei
o formato do maxilar
e como ele me olha
com esses olhos de assassino
pensei em chamar a
polícia, os jornais
pensei sobretudo
em mudar de cidade
e não contar para
ninguém
assim o meu assassino
me procuraria
nos mesmos lugares de
sempre
mas frustrado
voltaria para casa
e me escreveria
longas cartas
dizendo fique
avisada, seus dias estão no fim
contudo meu assassino
jamais seria
capaz de me encontrar
e por isso as longas
cartas
que ele levaria ao
correio muito bem
dobradas em envelopes
com cheiro
de canetinhas
coloridas
não chegariam a parte
alguma
pois não constaria o
meu nome
em nenhuma página
amarela
ou conta de luz
meu assassino bateria
na porta
da minha antiga casa
eu o convidaria para
entrar
ofereceria um café e
diria
que pena! que
desencontro! que perda!
ela não mora mais
aqui
In SANT’ANNA, Alice. Rabo de baleia. Sâo Paulo: Cosac Naify,
2013.
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