Júlia de Carvalho Hansen


  Poesia Brasileira do Século XXI - 08                                 
 
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Júlia de Carvalho Hansen é poeta, astrólog  e uma das editoras da Chão da Feira. Estudou literatura na Universidade de São Paulo e na Universidade Nova de Lisboa. Tem livros publicados no Brasil e em Portugal, sendo o mais recente deles "Seiva veneno ou fruto" (Chão da Feira, 2016)                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             .
Abaixo transcrevemos três poemas do livro alforria blues ou Poemas do destino do mar.                                                       

                                                                                                    
XIII

Quem reconhece a barbárie
quando ela se precipita no show cotidiano?
Virá a barbárie com código de barras ou máscaras?
Hoje eu acordei na televisão dando recados:
deixa, Júlia, a humanidade correr na arena da história.
Sem preço. Levanta a capa vermelha pra que ela passe
como um touro. Digo, sem precipitação:
a humanidade não é um touro cinzento
a humanidade é um jumento, meus caros.
Papai me ensinou este lugar do ou-não.
Sou capaz de ou-não cair neste lugar.
Ou não. Piso muito livre.
Chão, você continua sendo o melhor chão de todos.
Se eu pudesse fazer da crueldade
minha ternura, te oferecia.
Chão, sinceramente, me sinto lisonjeada pela tua presença.
Se me dizes luto, me diga estrela
que eu pulo no jardim
entre um cervo e um jacaré
vejo a minha sombra e grito:
só quando estou na Europa:
Hölderlin? Tá falando com ele.


XIV

Levantei-me com o cavalo
os perigos da solidão a dois
um sonho que não sei contar

não rolo mais entre as pedras
dos sentidos, sou pelo vento,
pelo sopro tua voz me ilumina.

Um coração que não tivesse centro.

XVI

Desde os dezesseis anos estou neste estacionamento.
Viagens, lustres, dinheiro: nada: se fecho os olhos o que vejo são vagas.

Não me balizaram. Fui eu mesma
vim viver aqui, não acredito mais, neste ângulo entre paredes.

Esperava deste parque aquele por quem a vida corria.
Ir com ele. Como um cometa,
uma pedra que me arrastava do centro, toda lançada,
natural como as baratas que sobrevivem desde os dinossauros.

Um arco e duas flechas. Sismo veio
todo o mundo do juízo, todo o meu poder de confissão.
Encontros de concreto, folhas de eucalipto caindo, putrefação.

Do que restou interessa a voracidade da alegria
um falar mais honesto emergirá na superfície
a pérola homem que cresce por dentro das ostras, das minhas coxas
transtorna o cotidiano
que vivia feito um pombo preso no túnel e depois alcançou a plataforma do metrô.
                 
Mas os pombos não migram e prendem nas patas as linhas das pipas.
Do emaranhado solto o medo no meio e desfaço a tua relíquia.
Não é a primeira vez que lanço um pássaro sobre ti.

In HANSEN, Júlia de Carvalho. alforria blues ou Poemas do destino do mar. Belo Horizonte: Edições Chão de Feira, 2013.

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