Marcelo Ariel
Poesia Brasileira do Século XXI - 09

Poeta,
performer e dramaturgo, Marcelo Ariel
é autor dos livros Tratado dos anjos
afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco,
2010); O Céu no fundo do mar (Dulcineia
Catadora, 2009), A segunda morte de
Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições
Caiçaras, 2012), Com o daimon no
contrafluxo (Patuá, 2016) e Retornaremos das cinzas para sonhar com o
silêncio(Patu´, 2014).
O
texto abaixo foi publicado no livro A
névoa dentro da nuvem: prosa reunida.
A Love Supreme
1.1
A poesia como emanação do sagrado chamado natureza,
não
se configura como uma potência da ilusão dicotômica
chamada
'mercadoria'. O ouro e o petróleo, moeda cunhada
por Tânato e não por Eros, não pode ser comparado com
O
Sol do Poema Contínuo, cujos raios atravessam o Real que
em
breve provocará a devastação de todas as ilusões, a começar
pela
'ilusão da mercadoria'
Comentário: Não apenas do sagrado mas do
impessoal ainda não
catalogado por nenhuma religião,
emanação da não-palavra e algo
que pode acontecer em instâncias fora ou
longe da literatura.
1.2
Quando absolutamente desvalorizada e fantasmagorizada,
talvez
a mercadoria possa até se tornar um poema ou parte de
um
poema, quando se dá a fantasmagorização do que fantasmagorizava;
ou
seja, da mercadoria, ela pode até se tornar parte
da
emanação do poema. Oswald, cuja maior contribuição para o
tremor
do conhecimento do antidevir-Brasil foi a frase "tupi
or
not tupi, that's is the question", se vivo estivesse iria defender
o
plantio da mandioca em praças públicas e a desmercantilização
da
comida: frutas,arroz, feijão e tapioca de graça para todos.
Seria
bom se entre um bairro e outro existissem não estas
patéticas
torres de escritórios, mas pomares públicos e imensos
bosques,
o que me lembra 'A Cidade do homem nú' de
Flávio
de Carvalho, o antiniemeyer
Comentário: Existem forças opaciantes do
mundo do consumo que
deixariam o poema ser vendido na Bolsa
de Valores, isso iria exigir
uma mutação do capitalismo ou um
esvaziamento e banalização
do poema, mas falo de outra coisa e não
da idéia que gerou o
Banco Van Gogh, é bem mais sutil o que
estou querendo dizer.
1.3
a poesia é tão temida quanto o "Real" que ela anuncia, pela
sociedade
de consumo cada vez mais autofágica. O Irreal
governa
a Bolsa de valores e é o vetor de muitos editais do
governo
Comentário: Existem vários estatutos do
real, tantos quanto universos,
mas uma inequívoca força de irrealidade
que serve de vetor
para as simbologias neutras e abstrações
perversas do dinheiro, que
um dia alcançará uma dimensão poética
para seu uso, ouro usado
como asfalto e etc.
1.4
Para mim, infelizmente, o que existe com mais frequência
hoje
se parece mais com um culto da imitação da poesia.
A
poesia é, por natureza, uma força do obscuro, quando alguémdiz
"Lixo
da metafísica", talvez esteja se referindo a um fracasso da
historiografia
filosófica de encarar a poesia como algo menor.
heidegger
foi um dos poucos que colocaram a questão do
"habitar
poéticamente o mundo", questão que ainda está em
aberto.
O mundo da mercadoria não pode ser chamado de
mundo,
logo ele é também ignorado quando habitamos poeticamente
este
'topos', 'Atopos' ou 'utopos' ao mesmo tempo,
chamar
esses 'topos', 'atopos' e 'utopos' de 'vida' é um modo
de
encarar esta questão colocada por heidegger? talvez…
1.5
A Poesia é como o PCC. Precisamos de um PCC Cultural,
costumo
dizer isso: a situação de um poeta-escritor que está
fora
das panelinhas filiais, nepotistas ou do álibi institucional é
similar
a de um presidiário em uma cela lotada, mas tudo é
reconfigurado
pelo mercado dos álibis, principalmente o que
advém
das ações terroristas do próprio mercado que se confunde,
se
mistura com o Estado – tudo é reconfigurado, menos a grande
poesia
que se desloca em outros tempos e funda imaginários
de
alteridade.
1.6
Kierkegaard, um dos mestres de Fernando Pessoa, associava
o
horror a um estado de abertura e não de fechamento. Os olhos
se
dilatam quando estamos aterrorizados, mas só os olhos
de
fora? Por que não fundar um horror-terror para os olhos de
dentro,
que não apenas se dilatam, mas explodem como o Sol.
A
questão, para mim, não é sair do horror, mas atravessá-lo
e
chegar a regiões, altas ilhas do 'real', que ele não pode alcançar.
O
horror econômico, por exemplo, não pode alcançar uma
cadeira
na calçada de uma rua em uma cidadezinha invisível
no
Brasil profundo, pode? Ele, o horror, pode alcançar uma
interioridade
configurada pela poética do encontro? Pela grande
poesia
da humanidade? Quem está se suicidando é capital, os
poetas,
os bons poetas que descobrem Eros e o riso de Cérbero
e de
Menipo, o horror não pode tocar neles… veja o caso da
permanência
de "terra em transe", de gláuber: daqui há cem
anos,
esse filme ainda estará alimentando as interioridades
contra
o horror.
1.7
O primeiro poema que escrevi na vida se chama 'Acordar'
e
não consegui concluí-lo até agora e o último se chama 'Scherzo
rajada'
– este estou escrevendo nesse momento. A poesia não
vem
do poeta, vem do Daimon. Quanto mais
perto de Sócrates,
ficarmos
melhor, mas o ato de assinarmos um texto é anti-
-socrático:
ainda estamos longe da Alma.
1.8
Restam os mitos, Os mitos. d.h. Lawrence dizendo para
Freud
deixar ‘édipo’ em paz, pode ser uma proposição interessante.
diante
da impossibilidade da existência do nada, o mito
é
tudo. Mas como Lawrence também constato que precisamos
lutar
contra a banalização ou o uso funcional e mercadológico
do
mito. A poesia oral e todas as imensas possibilidades do
'Spoken
Word' e do R.A.P. apontam para uma pequena renascença
do
poema: se não é lido pelas massas, poderá ser ouvido?
nota
de inadequação: Onde se lê poesia, leia-se 'poema' e não
poeta.
In
ARIEL, Marcelo. A névoa dentro da nuvem:
prosa reunida. São Paulo: Lumme Editor,
2017.
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