Micheliny Verunschk
Poesia Brasileira do Século XXI - 12
Micheliny Verunschk é autora de Geografia Íntima do Deserto (Landy
2003), O Observador e o Nada (Edições
Bagaço, 2003), A Cartografia da
Noite (Lumme Editor, 2010) e b
de bruxa (Mariposa Cartonera, 2014). Foi finalista, em 2004, ao prêmio
Portugal Telecom com o livro Geografia
Íntima do Deserto. Publica em 2014 seu primeiro romance Nossa Teresa -vida e morte de uma santa
suicida (Editora Patuá, com patrocínio do Programa Petrobras
Cultural), vencedor do Prêmio São Paulo de 2015. É doutora em Comunicação e
Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária, ambos pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
* * *
a palavra amor
comporta todo esse desastre
todo esse choro e desencontro
todas as guerras pelo nome
Helena
ou Fatma
ou Maria
ou César
ou Miguel
etc etc ao infinito?
a palavra amor
comporta todas as tecnologias
para um abraço
o avião o trem
a velha carroça encostada nos fundos da casa
e essas cartas
essas músicas
essas joias e penduricalhos?
a palavra amor
comporta todo os filmes
do cinema americano
as balas zunindo de ciúmes e desengano?
a palavra amor comporta
todos os verbos
e esses versos mal escritos
que envergonhariam os primeiros
habitantes das cavernas?
a palavra amor comporta
tanto bicho morto
pilhas de livros
tantas fogueiras
e luas ao redor do sol
e ainda as vozes que pairam sobre as cabeças
eu te amo te amo te amo?
a palavra amor
[esse móbile girante
objeto perfuro-cortante]
comporta a minha vida
e a tua?
* * *
Darkness
A solidão,
essa tempestade,
esse gozo às avessas,
esse jeito de eternidade
que as coisas adquirem mesmo sendo apenas vidro.
Essas cartas ardendo
no estômago das gavetas,
essas plumas
que surgem quando se apagam
as últimas luzes do dia.
Tudo faz a noite mais longa,
Visão de uma sombra
Sobre um berço.
Não há resposta
e o labirinto é o falso,
os lábios são falsos,
somente abismo,
absinto verdadeiro.
O sono,
grande placa de cerâmica,
e o tempo,
demônio a ranger sobre o infinito.
essa tempestade,
esse gozo às avessas,
esse jeito de eternidade
que as coisas adquirem mesmo sendo apenas vidro.
Essas cartas ardendo
no estômago das gavetas,
essas plumas
que surgem quando se apagam
as últimas luzes do dia.
Tudo faz a noite mais longa,
Visão de uma sombra
Sobre um berço.
Não há resposta
e o labirinto é o falso,
os lábios são falsos,
somente abismo,
absinto verdadeiro.
O sono,
grande placa de cerâmica,
e o tempo,
demônio a ranger sobre o infinito.
* * *
Separação
eu não lembro onde estava
em 17 de abril de 1998
é uma data aleatória
para preencher um documento
talvez tenha sido
a data da minha morte
ou da sua
talvez tenha sido um dia qualquer
ou aquele dia
em que a vizinha cega
tenha gritado e assustado o cão
e você tenha dito para ela ou para mim
assim você só piora as coisas
eu não lembro onde estava
exatamente em 17 de abril de 1998
nem se meu corpo era mais ágil do que hoje
nós dois correndo no meio da chuva
contando com que os relâmpagos não nos acertassem
ou a chuva de arroz e flores entre sorrisos
[na verdade venho esquecendo algumas coisas].
* * *
I
retalhar a carne
que a carne é fraca
tanto se lhe bata
chicote ou sálvia
tanto se lhe faça
desenho a faca
pau pedra porra
brava brecha brasa
cantemos aleluias
pele pica pala
retalhar a carne
que a carne é graça
renda e louvor
céu e pássara.
II
se render à carne
que a carne é fraca
tanto se lhe queira
o lume a brasa
tanto se lhe bata
onda ou palma
espinho que penetre
uva vulva gruta
cantemos nossa graça
e a pele mais elástica
se render à carne
que a carne é graça
dobra e redobra
peixe e água.
III
se fartar de carne
que a carne é fraca
tanto se lhe morda
o dente a acha
tanto se lhe busque
a mão a alma
olho que a desnude
peitopêlo lábios
broto lua grelo
saudemos nossa caça
se fartar de carne
que a carne é graça
tecido que se esgarça
terra e casa.
Comentários
Postar um comentário