Nina Rizzi


Poesia Brasileira do Século XXI - 07

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Nina Rizzi é historiadora, tradutora e poeta, vive em Fortaleza/CE (Brasil), onde é uma das articuladoras do Sarau da B1/Periferia de Fortaleza. Tem poemas traduzidos para o espanhol, esloveno e inglês e participa em diversas antologias no Brasil, Moçambique, Angola, EUA, Suécia, Portugal e Espanha. Autora de tambores pra n’zinga (poesia, Orpheu/ Ed. Multifoco, 2012), caderno-goiabada (prosa ensaística, Edições Ellenismos, 2013), Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução, Edições Ellenismos, 2013), A Duração do Deserto (poesia, Ed. Patuá, 2014), ao qual pertencem os três poemas abaixo, Romério Rômulo: ¡Ah, si yo fuera Maradona! (versão em espanhol), geografia dos ossos (poesia, Douda Correria, Portugal, 2016), Oscar Hahn: Tratado de Sortilégios (tradução, Lumme Editor, 2016); quando vieres ver um banzo cor de fogo (poesia, Editora Patuá, 2017). Coedita a revista escamandro poesia tradução crítica e escreve regularmente no quandos.



I take care, I fit, come to me, come ye, jot

tenho o útero partido
metade polvo, agarro as presas, desejo

a mais cuidadosa das mães
definho, para que viva, amor

um outro tanto, descuido
a capacidade de hiena
riso, esfaimento, abandono

encontro em sua arte, a parte
que me une a mim e ao todo, dialógica

matéria repleta de tentáculos
mordo teus lábios no banheiro

imaginário, onde nada é estrangeiro
como tudo; e guardo teu silêncio
minha língua, angústia e fim

[eu te cuido, eu te caibo,...]


Palinódia

CHOVE. o céu cinza como arte, buquês mortos no ecrã.
lembro o que se diz poeta, a gente que gosta do que
chamar poesia,
o homem que me enfeita o riso quase matinal
como pudesse ser além de quase.

a noite não. uma lâmina cega, ponte entre cansaço e espera
de alguma verdade na carne, algo que não soubesse. o que
é perene.

o júbilo da terra não é o meu.

tivesse em outro lugar, outra história – um outro deja
vù, fosse arquiteta ou o quê –
não açoitava meu corpo a chuva, a poesia.

mas sendo assim, noturna, rapina de si,
se me abrem as neuroses
- em cada olho, rascunhos, a morte lenta e a letargia,
qualquer colagem de efeito, maneira mineral.

a chuva para. a noite amanhece. tudo verme, foice, fim.
mas ainda é tudo antes, transitório, aguarde.

não arriscaria ao mundo um olhar mais doce, menos
poético.

de todo verso, rejeitar qualquer reimpressão,
desta vida, uma segunda edição.


Film, 1959

Hoje não vamos para Köln. Nem hoje,
amanhã ou dois mil e catorze, meu bem.
A mágoa arranha as vidraças das catedrais,

escondidas. Já foram olhos, vitrais e saudade,
agora - com tantas crianças mortas, palestinas
e irlandesas e decididamente apenas

humanas - cidades apenas, como todas
as outras conurbadas, caminhadas a ferro,
coloridas, bombardeadas e esquecidas.

Cidades nossos olhos vidraças que não coram,
nem riem, nem choram ou menir. Mais um
inútil estudo para o silêncio, o deserto. Ruínas.

In RIZZI, Nina. A duração do deserto. São Paulo: Patuá, 2014.


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