ARNALDO ANTUNES



OS BURACOS DO ESPELHO


o buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar aqui

com um olho aberto, outro acordado

no lado de lá onde eu caí



pro lado de cá não tem acesso

mesmo que me chamem pelo nome

mesmo que admitam meu regresso

toda vez que eu vou a porta some



a janela some na parede

a palavra de água se dissolve

na palavra sede, a boca cede

antes de falar, e não se ouve



já tentei dormir a noite inteira

quatro, cinco, seis da madrugada

vou ficar ali nessa cadeira

uma orelha alerta, outra ligada



o buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar agora

fui pelo abandono abandonado

aqui dentro do lado de fora



PSIA 

Psia é feminino
                  de psiu;
   que serve para chamar a atenção
         de alguém, ou para pedir
   silêncio.
       Eu berro as palavras
   no microfone
           da mesma maneira com que
                       as desenho, com cuidado,
               na página.
    Para transformá-las em coisas,
em vez de substituirem
                                         as coisas,
Calos na língua; de calar.
           Alguma coisa entre a piscina e a pia.
                        Um hiato a menos.






Comentários

  1. O primeiro texto "os buracos do espelho" é genial. Sou fã do Antunes, seu cabelo de cientista, seu olho de poeta, sua poesia de esteta.

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  2. Gostei muito daqui. Espero poder ficar.

    Abraço meu.

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