João Cabral de Melo Neto
Lygia Pape |
O ferrageiro de Carmona
Um ferrageiro de Carmona
que se informava de um balcão:
“Aquilo? É de ferro fundido,
foi a forma que fez, não a mão.
Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.
O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na forma.
Não há nele a queda de braço
e o cara a cara de uma forja.
Existe grande diferença
do fero forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.
Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?
Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de forma
moldadas pelas das campinas.
Dou-lhe aqui humilde receita
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.
Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.”
(MELO NETO, João Cabral de. Crime na calle Relator. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. p. 31-32)
putz! desculpe isso :)
ResponderExcluirque coisa fantástica esse João Cabral...forjar o poema.
obrigada pela postagem e que bom que eu vim aqui e vi :) um abraço, Clotilde
Clotilde, que bom que você gostou. Cabral consegue extrair do áspero, do bruto, a leveza da arte.
ResponderExcluirUm abraço.